Escrevo como Moçambicano, observador das instituições internacionais que nos rodeiam, com uma pequena experiência nessas instituições internacionais, tendo trabalhado numa delas (Nações Unidas) durante 33 anos.
Escrevo e exprimo-me como Moçambicano. Não estou adstrito nem pertenço a nenhum partido político. O que se passa (ou não) em Moçambique afeta a todos os Moçambicanos. E já ficou mais do que provado que Moçambique não interessa apenas aos Moçambicanos. Interessa à África e ao mundo. Sobra para nós como cidadãos a responsabilidade de equilibrar os nossos interesses com os interesses estrangeiros, alguns dos quais são genuínos e aceitáveis, mas nem todos.
Venho hoje oferecer uma leitura da estratégia do Banco Mundial (BM) para Moçambique para o período de 2023 a 2027. O sumário está anexo em baixo e o documento completo encontra-se aqui. Excitado como fiquei de os ler. Ao fazer esta leitura analítica, tenho em conta as seguintes premissas:
O BM está em Moçambique faz várias décadas e desenvolve um trabalho de apoio considerável e baseado em conhecimento de causa;
O trabalho de análise e apoio econômico
é muito complexo e os estudos/estatísticas/documentos produzidos são de muito alta qualidade e credibilidade;
Parceria significa acomodação e adaptação dos interesses das duas partes, mas o dono da casa tem primazia em fazer valer os seus interesses acima dos do parceiro visitante;
O desenvolvimento do nosso país não nos vai ser trazido de fora. Se assim fosse, a presença do BM (como a do Programa Mundial das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD) teria que ser explicada, depois de 47 anos de acompanhamento de Moçambique. Mas não acusemos o visitante.
E agora a leitura e crítica do documento (anexado e referenciado abaixo). Para mim, crítica não é somente verificação de erros e insuficiências, mas também concordar com fatos importantes e estratégicos de maneira positiva. É assim que começo, para depois me concentrar no que pode ser melhorado.
1. Consultas: elemento importante de formulação de uma estratégia e digna de louvor. Parece-me entretanto que estas consultas poderiam ter sido ainda melhores se tivessem incluído polos econômicos importantes tais como Cabo Delgado, por razões conhecidas, e Tete, centro de atividades econômicas de importância capital para a economia nacional. E porque não até dedicar tempo a todas as Províncias, cada uma com as suas especificidades, especializações e contribuições!
2. Estratégias nacionais: De maneira positiva, a estratégia está claramente formulada de maneira a apoiar a estratégia do governo, referenciada nos principais instrumentos tais como o SUSTENTA e a ENDE. Como não conheço estas estratégias, nem superficialmente, esquivo-me de as discutir, tanto mais que não são o meu foco. Mas o fato de a estratégia do BM as referenciar já é uma marca de parceria positiva e respeitosa.
3. Objetivos: Instituições inclusivas: através do documento está claro que a inclusão é um pilar do Banco Mundial, mas este sendo um documento acordado com Moçambique, não está claro se existe comunhão entre as duas partes sobre as ramificações do conceito de inclusão. Para o BM o conceito abrange categorias como o gênero, populações desfavorecidas e pobres. Existem no país questões de inclusão relacionadas com opiniões e pertenças. Por razoes protocolares evidentes, o BM não pode enveredar por essa senda, mas inclusão é uma expressão que abre uma brecha oportuna para os Moçambicanos, representados pelo seu estado, terem a coragem de analisar outras formas e razoes de exclusão de que não se fala, mas que todos conhecemos.
4. Metas a Curto Prazo (short-term): confiança dos investidores e da comunidade internacional. É natural que para o BM esta seja uma meta importante e primordial. Será também a meta de Moçambique na escala de prioridades?
5. Prioridades do BM: parece-me que as prioridades de Moçambique deviam aparecer mais claramente neste documento. Na versão integral do documento (cuja acesso ofereço no fim desta análise) as prioridades tais como nos as percebemos (Educação, Água e Saneamento) mereceram apenas uns escassos parágrafos (páginas 34 a 36). O custo da energia elétrica num país que produz eletricidade não é mencionado. A questão de educação será para mim um tópico que voltarei a abordar num artigo próximo.
6. A análise passa em surdina o papel da banca nacional. Como quer o BM operar sem se associar a banca nacional na solução dos problemas de pobreza, não posso responder. Que protocolo de cooperação existe que não inclui a banca nacional, é uma pergunta que deixo aqui. Uma pergunta que acho oportuna porque a banca nacional, com a sua política de juros, desencoraja o pequeno produtor de aceder a empréstimos. O empréstimo bancário faz falta ao estímulo do desenvolvimento econômico para o qual o pequeno produtor é o maior contribuinte. Ao fixar-se no agribusiness, não combate a pobreza. De que desenvolvimento então estamos a falar na ausência da banca?
7. A sustentabilidade da economia nacional tem também a ver com a capacidade de coleta de impostos, um trabalho que está a ser melhorado com o apoio do FCDO do Reino Unido. Esta estratégia podia ser enriquecida com referência a este programa.
Economia dita green economy: enquanto se fala na green economy e nas questões ambientais, Cabo Delgado está completamente fora da dissertação. Ora, não se pode falar do meio ambiente e de uma economia green, sem mencionar o aumento de emissão de gazes que a exploração do gás de Cabo Delgado vai trazer, o qual, de acordo com estudos feitos pelo Banco Africano do Desenvolvimento (Abril 2019) e pela Anadarko/ENI (emitido em 24 de Fevereiro de 2014) e frisado de maneira enfática pela Friends of the Earth em Março de 2020, vai fazer de Moçambique um país emissor importante, passando de uma emissão corrente de 0,4% a 10%/ano quando a maquinaria estiver a trabalhar. Parece um assunto que merece atenção dos nossos parceiros, não só a exploração e utilização do gás, mas também capacitar-nos a gerir os efeitos colaterais. A honestidade requer que falemos de green economy ao mesmo tempo que referenciamos estes eventos ambientais futuros (e como o BM se propõe a ajudar Moçambique a atenuar os seus efeitos).
Green economy and renewable energy sources passa este grande debate em silêncio absoluto. O GRID (greener, resilient and inclusive Development) e outros interesses do BM deviam considerar a priorização dos interesses do país. Não só empurrar Moçambique para um green de cujos recursos nós carecemos.
Leitura de um leigo na matéria.
Terça-Feira, 28 de Março de 2023
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