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O TAL MOMENTO DE ÁFRICA É AGORA – OU NUNCA (Em Português, Frances e Inglês)

Writer's picture: canhandulacanhandula

Agosto de 2023



I. INTRODUÇÃO


Dedico esta lucubração aos leitores em África e aos nossos líderes na África Oriental e Austral e em Moçambique, minha terra. Na África Ocidental, já se encontraram com o momento da verdade. Essa verdade é promessa de libertação.


Devemos estar alertas para o facto de estarmos a viver um momento importante no mundo, que dá pela segunda vez à África a oportunidade de determinar e influenciar a ordem mundial, para nos livrarmos da posição de um continente dominado, explorado, e por isso um continente rico de pessoas pobres, onde os velhos mestres coloniais continuam a ditar-nos com quem devemos lidar, quem é amigo e quem é inimigo. Temos estado a ouvir falar do Grupo Wagner da forma mais negativa, como um instrumento russo. Os grandes meios de comunicação bombardeiam-nos com a ideia de que a Rússia é o inimigo. Cada vez que mencionam o Grupo Wagner é para nos dizer que são maus. Eles querem que os seus inimigos sejam nossos inimigos também. Querem pensar por nós. Mas ficam em silêncio sobre as obras do Blackwater e outros grupos ocidentais.


Para caracterizar o atual momento, vou passar a discutir três acontecimentos que estão abalando o mundo de maneira profunda. Penso que Moçambique, a África Oriental e Austral, e a África em geral, deveriam aproveitar este momento para contribuir consciente e propositadamente para abalar a ordem internacional vigente, afim de que a nossa mensagem seja clara e seja tomada em conta, e contribua para modificar o futuro de forma que não deixe os países doadores nos desprezarem. Não existe razão para que a Europa ou a América não venham a África explorar recursos naturais nossos. Mas também não há razão para que sejam eles a ditar os termos dessa extração. Deveríamos sentar-nos à mesa e fazer com que esses recursos trabalhassem em prol do nosso desenvolvimento, uma troca de concessões comerciais entre nações iguais. Que a África não continue a ser um continente de jovens que morrem no mar Mediterrâneo por desespero e pobreza. A França, em particular, não deve continuar com a sua política de penalizar os povos que querem ser livres: as situações do Haiti, e a situação atual da África Ocidental são inaceitáveis.


Os três eventos de importância mundial que passo a discutir são: a cimeira dos BRICS em Agosto, o eixo Guiné-Mali-Burkina-Níger, e a Ucrânia.



II. BRICS


Tem lugar este mês de Agosto em Joanesburgo, África do Sul, uma Conferência dos BRICS (22-24 de Agosto de 2023). Além dos 5 países BRICS, outros 23 países candidataram-se para aderir, e todos os países africanos foram convidados a participar nesta cimeira. A conferência tem três objetivos principais:

  1. Libertar os países do hemisfério Sul do controlo pelo Ocidente do sistema financeiro internacional;

  2. Acabar com a pobreza dos países africanos, pondo fim ao sistema colonial centenário de exploração de matérias-primas e mão-de-obra barata, e

  3. Considerar o pedido de adesão ao Grupo por outros 23 países.

Não se trata de declarar guerra contra o hemisfério Norte. Trata-se isso sim, de sair o da posição de ser uma espécie de repasto para outros e passar a participar do banquete das refeições produzidas literalmente com o nosso sangue, o nosso suor e as nossas lágrimas. Trata-se de procurar mudar os termos do comércio internacional, superar a era do desprezo pelo Continente Africano e por fim à era em que se ditava aos países africanos o que deveriam ou não fazer. De acordo com Helga Zepp-LaRouche,

“As instituições ocidentais ainda subestimam completamente a realidade de que existe um renascimento forte do espírito de não-alinhamento neste momento. Os países do hemisfério Sul estão decididos a acabar uma vez por todas com o colonialismo na sua nova forma e não querem ser empurrados para um conflito geopolítico entre os EUA e a Rússia, ou entre os EUA e a China, porque muitos deles têm relações muito estreitas com todos eles, relações econômicas benéficas", sublinha ela.”

O colonialismo coletivo que se exerce sobre África deve dacabar. Isso inclui garantir a nossa narrativa, uma vez que as narrativas imperiosas ocidentais irão reagir como se tivéssemos declarado guerra. Sim, estamos em guerra, mas não contra nenhum povo, contra nenhum país. É uma guerra contra a pobreza, contra o neocolonialismo e contra os desígnios hegemónicos de países poderosos.

  • No auge da pandemia da COVID, foi recusada a África a oportunidade de fabricar as suas próprias vacinas, e o hemisfério Norte apenas ofereceu a instalação da capacidade para encher em África frascos com a vacina já produzida. A Organização Mundial do Comércio é a instituição onde são fortemente protegidas as patentes.

  • Faz muito tempo que se reconhece que a África não se encontra representada no Conselho de Segurança da ONU, na estrutura mundial do poder. Nem por isso se fez algo [para corrigir esta situação.

  • Faz muito tempo que a África é convidada a participar no Fórum Económico Mundial, mas este convite não passa de um simbolismo, pois nada se espera dela. África não faz parte do G20 que discute a economia mundial e está a trabalhar no sentido de se autoproclamar como autoridade mundial em política económica.

  • Faz muito tempo que os Chefes de Estado africanos são convidados a um encontro com um Presidente em Washington, Pequim ou São Petersburgo. Quarenta e tantos representantes de países soberanos se deslocam para ir ouvir um outro representante soberano sentado em frente deles todos.

Isso está prestes a mudar, e requer previsão e inteligência emocional para impulsioná-lo, porque a ordem dominante irá,

  1. Em primeiro lugar, tentar ignorá-la, e quando se tornar impossível ignorar

  2. irá combatê-la, e logo que se aperceba que é uma batalha inútil, então

  3. irá mudar de tática, tentando influenciar e, se possível, capturar e dirigir a agenda, recorrendo a consultorias sofisticadas e ao dinheiro.

E nós: uma vez livres, que fazemos? Lembre-se do fim da escravidão nos EUA, quando os escravos trazidos de África, uma vez devolvidos a liberdade, não podiam mais voltar (em que barcos?) Uma vez declarados livres, deram-se conta de que não sabiam o que fazer com sua liberdade. Assim, acabaram permanecendo no mesmo lugar onde eram escravos e passaram a oferecer a sua mão de obra ao seu antigo senhor, em troca de um pequeno salário. O senhorio tinha a plena consciência de que sem os escravos ora libertados não pode prosperar, mas continua a oprimir a sua mão-de-obra. O escravo, por falta de meios, resigna-se à realidade da falta de alternativas e oferece os seus serviços, em contrapartida de um abrigo garantido para a sua família, e alimentação (que o próprio escravo livre produz) que lhe são doados com atitude de arrogância e superioridade.


Este é uma contradição que os nossos líderes políticos devem ter em conta e saber como contornar.


E existe ainda a questão do fim da dominação mundial do dólar. Chegou-se à conclusão de que é necessário um novo sistema financeiro menos penalizador. Esperamos que o grupo de instituições da Brettons Woods (Banco Mundial e FMI) esteja a ouvir. Porque são eles que têm ajudado os países ricos, através de instrumentos tais como empréstimos, taxas de juros e classificações, os quais se tornam pesados ​​para os países pobres (ditos países de riscos), enquanto exercem muita tolerância para com os países ricos, enriquecendo ainda mais estes últimos e empobrecendo aqueles que já são extremamente pobres, empurrando-os ainda mais para a miséria. Não nos esqueçamos que foram estas instituições que forçaram os países pobres a desindustrializar-se. De tal forma que hoje, os países africanos são importadores de produtos de segunda mão. Se ousarmos fechar os nossos mercados aos produtos de segunda mão (roupas, eletrodomésticos como computadores, automóveis, etc.), declara-se imediatamente uma guerra comercial contra nós. A África do Sul está ameaçada de suspensão do processo comercial AGOA se ousar acolher a visita de Putin. Por fim, Putin não viajou. Mas a Rússia está presente na cimeira do BRICS. Ora, China, Rússia e EUA são países que nenhum outro país possa ignorar! Nenhum destes três países pode também ignorar um ao outro.


Existe uma utilização excessiva do dólar como instrumento para punir aqueles que não obedecem ao ditame americano. Acabamos por nos aperceber de que na realidade não existe lógica económica nenhuma na manutenção de uma moeda usada para oprimir outros países. Podemos celebrar outros acordos de livre utilização de outras moedas de comércio sem que isso signifique uma guerra ao dólar americano! Alias, para todo o comercio com os EUA, o dólar torna-se incontornável.


Com tanto debate público sobre as origens da supremacia do dólar, tem havido sugestões para que se regresse ao padrão-ouro como garantia cambial. Passa a ser nosso dever inserir uma advertência urgente: estamos todos de acordo com a utilização das nossas próprias moedas para o comércio entre nós. Se Moçambique faz por exemplo negócio com o Quénia, poderemos negociar a utilização da moeda de um dos países ou, melhor ainda, podemos negociar uma moeda regional aceitável. Entretanto, à medida que avançamos devemos ter cautela com duas questões principais, entre outras, a saber:

  • A reserva de ouro: é importante que os líderes evitem decidir trazer de volta a noção de reservas de ouro como garantia bancária de uma nova moeda, seja ela qual for. Porque essa declaração iria dar lugar a uma corrida precipitada às reservas africanas de ouro, que se traduziriam em muitas disputas, guerras e ainda mais miséria. Pode acontecer em África o que alguém chamou de “genocídio do ouro”.

  • Tentativas de sequestro: o projeto neocolonial está vivo e cheio de recursos do saque, e não vai descansar até tentar dominar a iniciativa: A CEDEAO tem vindo a tentar introduzir uma moeda regional chamada ECHO desde muito tempo. Primeiro, houve um “misterioso” acidente de avião de Lagos para Abuja, onde morreram os especialistas que iriam discutir os detalhes técnicos. Mais recentemente, houve a corrida precipitada de Macron ao seu quintal de Abidjan em 2019, e juntamente com o Presidente Ouattara, anunciaram o lançamento do ECHO, uma moeda ainda garantida pelo tesouro francês, fazendo naufragar desta forma todo o projeto, que agora está adiado para 2027.

Lembramo-nos da Nova Ordem Económica Internacional discutida em Cancún? Lembremo-nos também da razão da criação do movimento dos Países Não-Alinhados. Talvez o BRICS seja o início de uma resposta do Hemisfério Sul à hegemonia do Hemisfério Norte.




Para discutir a política francesa em África, não podemos esquecer o comportamento francês no Haiti, outro país africano no Continente americano.


Os golpes de estado militares, primeiro na Guiné, depois no Mali e no Burkina Faso, e finalmente (por enquanto) no Níger, apresentam três características que deveriam fazer pensar a todo o Africano, especialmente nós que vivemos em países que parecem gozar de paz. Os nossos líderes deveriam prestar atenção ao discurso do Presidente Ibrahim do Burkina Faso em São Petersburgo, cujas mensagens resumo aqui:

  1. A África não deveria mendigar pro produtos alimentares, nem na Ucrânia nem na Rússia.

  2. Da próxima vez que os líderes se reunirem na Russia, deverão trazer um discurso diferente sobre transferências tecnológicas.

  3. A nossa juventude não deve continuar a morrer no mar Mediterrâneo tentando entrar na Europa. E se os líderes não estão a ouvir, os jovens acabarão brevemente por atravessar a rua até ao próximo palácio presidencial. Estas palavras ainda não tinham acabado de ser ditas e o mesmo aconteceu no Níger na mesma semana. Alias, esta foi igualmente a conclusão dos estudos feitos por estudiosos consagrados à noção de Contrato Social: se o Estado não garante o bem-estar do povo, tal como lhe foi designado pelo contrato social, então levantar-se contra os representantes desse Estado torna-se não só previsível, mas até legítimo.

Todas as considerações começam pela soberania sobre os recursos: ouro, bauxite, urânio, etc. Por outras palavras: a pobreza é relativa. Que a França fique brilhando de luzes todas as noites e dias enquanto o Níger fica escuro logo que o sol se põe é algo que eu posso testemunhar: trabalhei no Níger e viajei pela França e a questão sempre vem a mente: De onde vem toda aquela luminosidade noturna da França? Porque é que os europeus e os americanos estão entusiasmados com Cabo Delgado? Não é por pena dos Africanos que estão sendo mortos e expulsos de suas terras, é pelo gás. Primeiro, alguém fez explodir o Nordstream, e agora estão atrás do gás de Moçambique, do gás da Nigéria cujo gasoduto passa pelo Níger até à costa do Mediterrâneo; que impostos se pagam pela passagem pelo Níger? E o urânio que custa $130/Kg no mercado, quanto é que a França paga ao Níger?

Trata-se também de presença militar estrangeira: a NATO quer continuar a expandir-se e a Europa definiu o Sahel como a fronteira austral da Europa Continental! Daí os Jihadistas, que não vieram por acaso do Médio Oriente; foram trazidos através da destruição da Líbia e estão a ser ajudados para manter os países da África Ocidental suficientemente fracos para necessitarem do apoio americano e francês. Os nossos irmãos na África Ocidental compreenderam e resolveram tomar a peito esta questão, apesar de todos os colaboradores das potências neocoloniais: na Nigéria, na Cote d’Ivoire, no Senegal e noutros países lacaios.


Entretanto, todos os quatro golpes foram pacíficos, sem derramamento de sangue. Em seguida, estes golpes geraram muito apoio por parte das populações nacionais. No fundo, reconhecemos que estas populações não são a favor de um governo militar, mas são certamente a favor de um país verdadeiramente independente e que pode ditar os termos do comércio sobre os seus próprios recursos naturais. Se alguém puder levá-los a essa situação, as populações acabam por apoiar. O exército foi um instrumento oportuno.


E vai aí a França a dizer: não vamos retirar as nossas tropas do Níger porque este pedido provém de um governo ilegal. A essa posição, o novo primeiro-ministro do Níger lembra à França que existe em Paris uma Académie de Sciences Politiques, e os políticos franceses deveriam saber melhor: os acordos são assinados pelos governos, sim, mas são celebrados entre estados. Existe o poder da sucessão de estados! Portanto, como visitante convidado, não se pode ver no direito de dizer “foi o seu falecido pai que me convidou para ocupar um quarto da sua casa, por isso não tiro pé daqui até que o seu pai o diga. Só n os falta ressuscitar o pai para que possamos ser livres!


Os africanos furtaram-se vergonhosamente em relação aos povos destes quatro países:

  • As sanções impostas ao Níger: os gritos de guerra para trazer de volta o presidente eleito através da falaciosa democracia que é usada para cumprir as ordens coloniais da França e de outros países que vivem da continuação da pobreza no Níger (e noutros países africanos). Será possível que um país Africano seja levantado contra outro país Africano para impor interesses de uma potência colonial que faz pagar aos povos que decidem ser livres. A Guiné pagou duro e atualmente o franco CFA e o acordo colonial mantêm estes países em situação muito mais pobre do que os seus homólogos de expressão inglesa, forçando-os a depositar ainda hoje a maior parte das suas receitas no tesouro francês. Sempre pensei que a França deveria ser acusada no Tribunal Penal Internacional. Mas enfim, esse tribunal não foi criado para servir os nossos interesses. É vergonhoso que estejamos a usar as sanções como instrumento de gestão das relações entre países africanos. Deveríamos desistir de falar sobre sanções de uns contra os outros porque essa não é a nossa cultura. A Nigéria cortou a energia elétrica ao Níger, sem antes de mais investigar a razão pela qual a sua rede está ligada à do Níger: foi para dissuadir o Níger de construir uma barragem hidroelétrica na sua margem do Rio Níger. Em que fica então a nossa ética comercial? Assim a Nigéria parecer-se com um brigão e não como uma potência regional.

  • Ao declarar a guerra como primeira opção, um país conhecido pelos seus excelentes diplomatas, na verdade os melhores com quem jamais trabalhei no mundo, a Nigéria foi uma enorme deceção. Quer enviar soldados Haussa e Fulani para combater um exército composto de Haussa e Fulani? Com que objetivo? Nem é sequer estratégia militar fazer um discurso que faça perceber que já venceste uma guerra que nem sequer começaste, ainda por cima contra exército de irmãos.

Isto tudo para defender uma ordem colonial: a Nigéria deveria ser o último a fazê-lo porque em Africa ninguém espera isso da Nigéria. Trabalhei na Nigéria e no Níger, portanto eu também não esperava isso de um país intelectual, forte e orgulhosamente africano como Naija. E por sinal, fiquei aqui perguntando os meus botões porque razão o senhor Tinubu foi em tratamento medico na França durante sua campanha eleitoral presidencial. Buhari foi para Londres e pensei que a afinidade linguística e a história colonial comum levariam Tinubu ao Reino Unido. Agora fica claro!


A propósito de libertação: existe aqui correlação entre o que está a acontecer na África Ocidental e a cimeira dos BRICS. Estou a escrever de um país onde surgiu um debate público acérrimo sobre a concessão da gestão de portos nacionais a uma empresa dos Emirados Árabes Unidos chamada DP World, focalizado sobre o controle de recursos. O trânsito de mercadorias internacionais através do porto de Dar-es-Salaam para outros países da África Oriental e Austral, incluindo Malawi, Moçambique, RDC, Burundi, Ruanda, etc., constituem grandes interesses económicos. De acordo com um dos argumentos, é de espantar que, com todos estes anos de independência, o país não pode fazer melhor do que ceder as operações portuárias a uma empresa estrangeira que utilizará a sua própria logística de entrega final de mercadorias. Estima-se que isto vai trazer um modelo de negócio de fio a fio em mãos estrangeiras que acabará por eliminar do negócio despachantes, caminhoneiros e outros agentes nacionais. Existem tambem outros argumentos sobre os termos legais do contrato. A questão de soberania sobre os recursos neste debate é fundamental. O mesmo acontece com a evolução da situação na África Ocidental. A França não quer aceitar isso.


O elemento menos barulhento nesta salada toda é a presença militar americana no Níger. E falando disso, tendo estabelecido uma base militar no Botswana, mais a sul do continente, o seu interesse em Cabo Delgado é tentar um ponto de entrada para expandir a sua presença militar. VIGILANCIA deve ser o nosso lema.



III. A UCRÂNIA


A recente delegação africana de alto nível que visitou a Ucrânia e a Rússia foi ridicularizada com diferentes argumentos. Não merecia esta ridicularização. Por outro lado, é de lamentar que Moçambique, vivendo perto de um país com produção excedentária de trigo (por sinal um país amigo, o Zimbabwe), não possa aprender ou conjugar esforços para atingirmos a autossuficiência alimentar. Diz-se que a África possui 65% de todas as terras aráveis ​​do mundo. Sendo assim, porque é que imploramos pela abertura ao caminho do comércio do trigo de dois países em guerra?


É normal que a Ucrânia e a Rússia, países em guerra, tentem influenciar-nos. É normal também que agora vejam a necessidade de abrir embaixadas nos nossos países, e é diplomaticamente legítimo que o façam. Mas esta situação não nos deveria forçar a abandonar nossas relações amistosas para nos alinharmos com suas posições. A atitude dos nossos países em relação a esses países, como Mandela disse uma vez nos EUA, deveria ser ditada pela atitude desses países em relação a nós. Qual foi o Embaixador Europeu no Kenya que ainda este ano comparou os africanos aos macacos? Acha alguém que tal expressão é isolada?


África deve deixar de ser forçada a adotar valores ocidentais, alguns destes valores tendo objetivos ocultos sombrios.



IV. CONCLUSÃO


Este ano devemos acompanhar de perto duas outras cimeiras:

  1. A Cimeira de Setembro sobre o Clima em Nairobi: trata-se de discutir as alterações climáticas e do que devemos fazer de forma cooperativa a este respeito, e da necessidade de uma nova arquitetura financeira internacional, como afirmou o Presidente Ruto. Estejamos atentos e de olho aberto a (i) Consultores refinados que vão tentar desviar a iniciativa. E (ii) ao foco nos créditos de carbono, desviando-nos da energia verde. Eu não sou especialista na matéria, mas o crédito de carbono é uma distração açucarada que se apresenta aos nossos líderes, para que possamos permitir que os países ricos continuem a poluir o planeta, sob a lógica de que o espaço (crédito) de dióxido de carbono que os países não industrializados não utilizam e continuam a criar, possa ser usado por países ricos cujas indústrias sempre foram protegidas, em troca de dinheiro. Acredite se quiser, esse dinheiro não nos vai ajudar em nada, porque acabará entre as mãos dos nossos líderes e dos industrialistas no hemisfério Norte. São eles que chamam os nossos líderes de corruptos. Quem é finalmente corrupto, se o dinheiro acaba por parar nos seus bancos? Enquanto eles avançam para os carros elétricos, nós ficamos felizes por receber os seus carros de segunda mão, poluentes e inseguros: somos considerados um depósito de lixo. Eles despejam e adoçam o lixo deles com um pouco de dinheiro, para que continuemos a permitir que eles usem as nossas terras como lixeira.

  2. Realiza-se também em Nova Iorque uma Cimeira sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Onde está a África em tudo isso? Albergando nos nossos países desde a independência tantas agências de desenvolvimento, USAID, AFD, FCDO, como é que ainda consumimos o que não produzimos e produzimos o que não consumimos? (PLO Lumumba). Precisamos de nos convencer que o desenvolvimento não pode vir de fora. É por isso que estes ODS vêm substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Trata-se de encenação para parecer ocupado e adotar um discurso progressista para a ocasião. Pode jurar que estas iniciativas serão sucedidas por outras com o próximo Secretário-Geral.

Estes e outros acontecimentos estão a mudar a ordem mundial estabelecida e podem ter impacto no meu antigo empregador, as Nações Unidas. África, especialmente aquela parte de África que parece pacífica, deveria acordar, interessar-se e seguir mais de perto estes acontecimentos. Por outras palavras, ou nós forçamos de maneira pacifica a criação de um lugar para participar do banquete na mesa, ou tornamo-nos (ou continuamos a ser) a refeição dos ricos. É momento de decisão, como Patrick Otieno Lumumba, Nathalie Yamb, Dr. Arikana Chihombori-Quao têm-nos estado a dizer.


A LUTA CONTINUA


José Canhandula, 23 de Agosto de 2023


Leia os meus outros artigos sobre o mesmo tema aqui em português, e aqui em inglês, além de um que escrevi sobre o Haiti em português, aqui.





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