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A BÍBLIA SAGRADA PARA MIM – 1

Writer's picture: canhandulacanhandula

Introdução

 

Vou entrar agora numa série de artigos sobre a bíblia, baseados na bíblia católica.  Estres artigos servem para mim como reflexão do sentido espiritual, social e moral que ela inspira para mim, e talvez possa ser também uma inspiração para si, de como interpretar a bíblia no contexto da nossa vivência material, social e cultural, dos nossos problemas e da procura de soluções nossas, as quais não se podem prescindir da intervenção divina  Mesmo se essa intervenção divina esteja já implantada nas nossas inteligências, ainda precisamos da graça do discernimento, que a oração e a referência ao Senhor podem oferecer.  A bíblia é o depósito por excelência dessa referência divina.


Este trabalho baseia-se no facto de que eu sou cristão católico, fui seminarista durante sete anos, não consegui chagar ao ofício, como era o desejo de meu pai Yossefe Kanyandula Phiri.  Durante o meu tempo no seminário, tive a oportunidade de ler a bíblia por inteiro, e agora, na reforma, tenho a intenção de repetir esta proeza.  Desta vez com intenções de contribuir para o pensamento social, à luz da minha vivência. Se você me perguntasse, eu lhe diria que não precisa de ler toda a bíblia.  Mas faca dela um companheiro de roteiro, de leitura habitual.  Ela ajuda a encontrar sentido na vida.  E a simples leitura é já uma oração.


Ao ler a bíblia e ao encorajar outros a desenvolver este hábito, não ignoro os seguintes factos:

  • que a bíblia foi escrita por pessoas, inspiradas divinamente, mas pessoas;

  • que na idade média existiam mais de 200 versões da bíblia, e que a Igreja Católica participou na supressão de muitas versões para impor uma ordem e disciplina espiritual, o que não teve adesão unânime universal;

  • os males feitos pela igreja católica, na Idade Média, lá na Europa e na Ásia, tendo deixado marcas indeléveis de animosidade com as comunidades muçulmanas no Médio Oriente que perduram até hoje;

  • o papel negativo da Igreja católica em Moçambique, incluindo a sua subordinação à ordem colonial portuguesa, fruto de uma relação centenária entre a igreja e o estado português, todos eles baseados na Europa[1].


Contudo e sobretudo, é também nosso dever reconhecer o papel positivo imenso que a igreja desempenhou, no fornecimento de serviços sociais importantes de educação, saúde e ação social junto de populações desmunidas, pobres e isoladas, lá onde o estado colonial não tinha acesso, ou por razoes politicas não quis agir.  O seu papel de denúncia dos massacres coloniais e das violações da liberdade e da dignidade humana dos Moçambicanos.  A igreja em Moçambique viveu muitas destas contradições, que culminaram na denúncia dos massacres coloniais durante a guerra de libertação do país, a expulsão dos Padres Brancos e dos Padres de Burgos, e muitos mais outros conflitos entre a igreja e o estado colonial.


Hoje, a Igreja continua o seu trabalho, apesar de continuar a ter contradições (menos agudas) com o estado.  É neste contexto em filigrana que leio a bíblia.   Existem nela livros históricos, livros de ensinamentos, livros de oração e de súplica, jeremíades  e livros de mandamentos.  Os livros históricos são os que menos me dizem respeito como Católico Africano e Moçambicano.


Como africano, eu quero relacionar-me com a  bíblia levando comigo tudo o que é a minha bagagem identitária, a minha cultura e a minha pertença social.  E nesse contexto que a minha leitura da bíblia indica também que a África tem muito a ver com a escritura da Bíblia.  Isso transparece muito pouco na própria bíblia.  A Etiópia por exemplo, que detém historicamente uma bíblia muito mais completa com 88 livros, para mim seria o verdadeiro berço do cristianismo.  Ela vem mencionada na nossa bíblia 40 vezes, incluindo no livro de Salmos 67:/68:31, como vem mencionado o Sudão já então! Daí que também leio a bíblia à procura de identidade.  Até me interrogo se o cristianismo na realidade não teria tido as suas origens em África.  Enfim, esse é um debate intelectual fútil e perdido, mas que me (nos) assola.  A fé não é ignorância.  


Historicamente sabemos que Jesus se refugiou no Egipto, em terra Africana, indicando para todos os efeitos necessários que a tradição humana e humanitária de África foi reconfirmada por Jesus ele próprio.  Portanto os valores humanos não começam na Europa como a maquinaria de propaganda internacional vigente nos quer fazer crer.  Esses valores começaram em África:  A proteção do fugitivo, o acolhimento do peregrino. A igualdade humana perante o Criador.  Enquanto a história reconhece o  decreto de Ciro, Imperador da Babilônia do ano 539 antes de Cristo e a Carta Magna europeia de 1215, não se menciona por exemplo a Carta do Kurukanfuga de 1235 do Imperador Sundiata do Mali[2] que já nessa altura incluía direitos e deveres constitucionais muito semelhantes ao Contrato Social, tais como a proteção dos direitos do ser humano, as liberdades cívicas, determinava a divisão de poderes, e garantia a integridade física dos súbditos do império e dos seus bens, proibia maus tratos a escravos etc.


Por isso, enquanto praticamos a nossa fé, devemos estar conscientes de que a fé não é igual a uma verdade, mas uma convicção.  A verdade reforça a fé, senão ela seria facilmente abalada por discursos de filosofias teológicas falsas e mal estudadas.  E digo isto, porque de tempos a tempos, também a minha interpretação da bíblia nestes artigos terá os seus tons de procura da palavra, em relação à nossa cultura, à nossa história, sobretudo uma história que até hoje condena os países Africanos a uma posição subalterna no concerto das nações.  É neste contexto de complexo de inferioridade enraizado, de anseio à prosperidade, que encontram terreno fértil os prestidigitadores e televangelistas sem formação teológica.


Se a fé nos liberta, então, eu vou também procurar interpretar a bíblia de forma libertadora, com objetivos sociais e educativos.


E porque não começar com o livro da Gênese?  Simplesmente porque não estou a escrever nenhum artigo de fé ou de doutrina que exija sequenciamento algum.  Daí que eu vou fazer artigos na base de livros que selecionarei pela sua relevância para o meu país, para o meu Continente[3], no meu entender.  Que me acompanhe o leitor nesse espírito e perspectiva.

 

Canhandula, A. Jose

Tete, Julho de 2024

 




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