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A LIBERTACAO ECONOMICA DE MOCAMBIQUE TALVEZ POSSA COMECAR PELA BASE

Writer's picture: canhandulacanhandula

(A IMAGEM DO FERMENTO)


 

A.    O Problema

Comecei a interessar-me pela situação económica do meu país depois de ter recebido uma pancada la para os anos 2016, quando o meu mealheiro bancário foi arrombado pela divida ocultada, e a minha conta, em vez de refletir os 23 anos de poupança que tinha feito até aí, passou a representar pouco mais de seis anos de poupança! Nunca tive capacidade nem sonhei em pedir justiça!  Desde então, venho seguindo a “saga do Roque Santeiro” desta dívida, uma história mal contada, e ainda com o fio a correr nesta altura.  De acordo com informação pública, a dívida de 2 biliões de dólares já tinha custado aos Moçambicanos cerca de 11 biliões em 2020 e condenou cerca de 2 milhões de Moçambicanos à miséria.  Assim, escutamos com particular atenção quando o Ministro das Finanças disse na recente sessão da AR:


O saldo corrente da dívida pública moçambicana[1] ronda os 14.4 mil milhões de dólares norte americanos, sendo 30 por cento de dívida interna e 70 por cento da dívida externa.  Esta informação foi partilhada, na Assembleia da Republica em Maputo, pelo Ministro da Economia e Finanças, tendo acrescentado que os Orçamentos do Estado moçambicano têm sido historicamente deficitários. Este acréscimo gratuito é uma espécie de “a culpa não e minha”.  Uma afirmação conformista e servidora do neocolonialismo.


Um sistema neocolonial opressivo e explorador: O Banco Mundial fez notar que à medida que eram conhecidos os passivos ocultos (a dívida ocultada), a dívida externa pública de Moçambique passou de 61% do PIB em 2016, para 104% em 2018.[2]   Por outras palavras, o dono da loja tem dívida superior aos produtos armazenados, ao dinheiro que possui e ao saldo da sua conta bancaria tudo junto.  Uma outra análise faz notar que

Moçambique usou os contratos de gás para ir ao mercado financeiro internacional pedir empréstimos e quanto mais atrasado for o projeto, mais pagamos em dívida, e pior é a situação da dívida. A nossa dívida, antes desses empréstimos lícitos, era à volta de 40 a 50% do nosso PIB, mas depois dos contratos de gás, depois desses empréstimos ilícitos, ficou em 130% do nosso PIB[3].

Aqui, uma pausa para dizer que entre a afirmação do Banco Mundial e esta, ou alguém exagera por razoes jornalísticas, ou alguém minimiza o problema para agradar ao governo. De uma forma ou de outra, qualquer dívida que seja mais de 30% do PIB é preocupante e não muito salutar.  Acima de 100% significa que consumimos mais do que produzimos.  Donde vem o excedentário que nos permite continuar a consumir?  Em linguagem mais simples: o dono de lojas precisa de se endividar e ter mercadoria a crédito para poder fazer dinheiro.  O dinheiro faz-se atravez da majoração dos preços da venda a retalho, não só para compensar o transporte, armazenamento, perdas e estragos de mercadoria, mas também para obter margem de lucro.    Mas quando o total da mercadoria no seu armazém representa por exemplo 100.000 meticais, e a sua dívida acumulada com fornecedores for de 218.000 meticais, como vai ele poder vender esta mercadoria para arrecadar apenas 124.000 meticais?  E onde vai buscar os outros 94.000 meticais só para equilibrar o seu livro de contabilidade?  Mais importante, a sua economia?  Encarecer ainda mais o produto?  Quem vai comprar?  Precisa de procurar forma de se sair desta.  Ou pedir outro empréstimo com uma promessa de “desta vez vai dar” ao seu credor, ou hipotecar uma propriedade sua, com todos os perigos que isto representa.  Deixo à imaginação de cada um, como isto se traduziria ao nível nacional.  Noutros países, a dívida foi paga entregando um porto ou um aeroporto ao credor, que passou a ser propriedade estrangeira em território nacional!


A arquitetura atual do financiamento e da dívida internacional representa uma fraude monumental.  Uma fraude circular que nos mantém escravizados eternamente e cujos instrumentos de perpetuação são o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Esquema fraudulento semelhante  ao esquema em pirâmide (ponzi scheme em Inglês) que envolve a promessa de pagamento de altos rendimentos à custa de novo endividamento, em vez de receita gerada por qualquer negócio real.  Para pagar um empréstimo deve-se ir procurar outro empréstimo.  E quando este empréstimo chega a prazo, não há dinheiro e é preciso contrair mais uma dívida para liquidar a primeira.  E toda uma cadeia de esquemas circulares, tais como o apadrinhamento do FMI no G20 Common Framework.  Para beneficiar deste, um país deve aceitar um programa financiado pelo FMI (uma dívida só se contrai se tiver ou pegar outra dívida do FMI, como o Extended Credit Facility), em apoio a políticas de reformas estruturais, as mesmas que outrora mataram as nossas indústrias manufatureiras.  Um autêntico marasmo que se junta a tantas outros esquemas similares que afundam financeiramente os países pobres, tais como

  • O Debt Service Suspension Initiative (DSSI) – A iniciativa de suspensão do serviço da Divida (suspensão de pagamento de juros, não do principal),

  • O G20 Common Framework for Debt Treatments beyond the DSSI - Política comum de tratamento da divida para alem do DSSI,

  • O re-escalonamento da dívida,

  • O Catastrophe Containment Relief Trust -Fundo fiduciário para as catástrofes,

  • O Rapid Credit Facility (RCF) – Facilidade de Crédito Rápido,

  • etc


Aliviar uma dívida para poder contrair outra, outorgando uma terceira dívida é mercado circular, escravatura da dívida.  Circular na medida em que se criam vários fundos para aliviar, não para acabar com o problema da dívida.  O suficiente para mantermos o fôlego de continuar a suportar o peso, mas não o suficiente para retirar esse estrangulamento da nossa cintura!  E como isto nos afeta cá em Tete?  Parece uma questão que nem se deve fazer.

 

B.     Esboço de solução

Para o problema da dívida de Moçambique, o Banco Mundial propõe reformas no sistema público.  Aqui reside para nós mais uma ratoeira para nos manter no círculo vicioso de sempre.  Reforma significa pegar no mesmo sistema e fazer certas torcidas nele e para continuarmos a viver com ele.  Tentar reformar um sistema internacional habituado a viver à nossa custa, e no qual Moçambique não tem poder ou peso, é fútil.  Moçambique tem dívida num sistema que é mais gigantesco e poderoso.   Em vez de reclamarmos a transformação arrependida de um sistema que nós não inventamos, temos melhores oportunidades de sucesso se transformarmos Moçambique, afim de poder sair deste ringue desigual.


Qual é o economista que disse que para funcionarmos como estado devemos ter dívida externa?  Será esta dívida externa sustentável no estado atual da nossa economia?  E porquê Moçambique não pode sair desta situação?  Proponho que invistamos e contemos com os recursos de que o país dispõe para passar a priorizar o endividamento interno: águas que nunca acabam, rios e lagos naturais e artificiais e mar, terra fértil, minerais, incluindo areias pesadas, ouro, carvão, ferro e que mais, rubis (que estão privatizados), madeira (em parte privatizada), pequenos ruminantes e bovinos, peixe, e toda uma litania que se pode alargar. E o maior de todos os recursos, o mais silenciado, e nalguns casos excluído por ser da oposição, o recurso humano. Todos estes recursos não nos podem ajudar a sair da escravatura da dívida externa parasita?


A mim parece que a iniciativa local seria uma maneira eficaz de fazer brotar, crescer e sustentar um sistema económico novo como solução. Nada ortodoxo: inverter a equação dívida externa/dívida interna de 30/70 para 10/90. A ver vamos mais adiante.


Não é reforma que eu proponho.  Eu estou a contrapropor uma quebra do modelo atual e a construção de um novo modelo, que requer recursos, mas internos.  Para acumularmos recursos internos precisamos de produzir para acumular, e para isso, precisamos de um outro tipo de disciplina, visão, adesão, técnicos com imaginação e inovação que resistam as soluções fáceis. Uma direção de ferro e com visão periférica das reações internas e externas.  E um apoio político nacional e regional.


E que tal uma economia nacional que parte da base? Quando digo base, falo do Distrito, para a Província, para a Nação.  A nação tem a possibilidade de fabricar notas e moedas para fazer circular a economia (que essa fabricação seja feita na Inglaterra é outra discussão, mas a decisão toma-se no Banco emissor).  O Distrito e a Província, se quiserem fazer circular a moeda, devem apoiar-se na coleta de impostos e mais nada.  A fonte desse imposto são os vendedores, os comerciantes, donos de empresas, toda a pessoa que exerce uma atividade económica razoável registada e que pode ser taxada.   Passo em silencio a situação atual da coleta de impostos.


Libertando um pouco mais, de forma deliberada e disciplinada as nossas capacidades de decisão ao nível local, podíamos criar “milagres”?


Estou a argumentar por uma economia inovadora, que não responde aos moldes tradicionais e previsíveis que são conduzidos por ilustres intelectuais, que por sua vez aprenderam nas grandes instituições académicas do Ocidente, um Ocidente que deseja manter-nos em posição inferior permanente.  Por isso, promotor de uma educação baseada na memorização arregimentada e que desencoraja a imaginação, a experimentação e a individualidade.  Para o nosso contemporâneo, dois mais dois são quatro.  É tempo de fazermos com que dois mais dois passem a ser vinte e dois!

 

C.    Os Meios

Na minha imaginação, Tete é sempre meu ponto de partida para esta postulação, apenas porque vivo aqui.  Se estivesse no Niassa, em Sofala ou Inhambane, seria lá o meu ponto de partida: Moçambique tem a capacidade de mobilização de recursos nacionais para que o governo dependa mais da dívida interna do que da externa.  E como?


a.       Modificar a arquitetura Política da economia

Adotando uma política económica introvertida que requer invenção e imaginação, investimento propositado, força e coragem política, solidariedade, disciplina e probidade. 


Primeiro passo: autossuficiência alimentar.  Não existe povo soberano com fome e pedinte. O mercado nacional agrada ao agro-business externo, em particular Sul-Africano.  A batata, a maçã, a alface, o tomate, o frango, tudo se produz em Tete, ou em Manica, ou … mas preferimos produtos da África do Sul, de melhor apresentação.  A batata de Angónia/Tsangano é um primo magricela da batata Sul Africana.  Uma questão apenas de tratamento da terra e da semente.  Em última análise, uma questão de financiamento e acompanhamento do pequeno agricultor, que requer quadros de extensão agrícola contratados pela banca. Técnicas de gestão da água para a adoção e massificação da agricultura de irrigação estão ao alcance, com um pequeno investimento.


A educação ao serviço de uma política económica, científica e social: Reforço da Formação Técnica: Não pode haver desenvolvimento nacional sem o renascimento da indústria manufatureira.  Por sua vez, esta não é possível com uma educação de memorização.  Precisamos de uma educação funcional, técnica, manual, que desperte a inovação do jovem e o abandono da educação que se apoia na memorização e na recitação.  Porque não um ensino secundário técnico massivo que desperte as capacidades técnicas de engenheiros, pesquisadores, químicos, construtores, técnicos de irrigação e gestão hídrica, arquitetos, maquinistas, especialistas da automação, etc? A manufatura só pode iniciar se os recursos humanos forem promovidos à altura da indústria caseira, do bairro, etc.


b.      Sistemas

Desalgemar o apoio financeiro a produção: Modificando o carater dos nossos bancos, que servem o capital internacional e uma burguesia citadina (a qual reconheço pertencer) e que diz muito pouco ao pequeno produtor do nyemba ou da batata na estrada para Tsangano ou Chiuta.  Que diz nadinha aos milhares de jovens engajados no garimpo que certas pessoas querem criminalizar. Como resultado, numa Província cheia de recursos que poucos sabem para onde vão, a economia acessível é a venda do carvão vegetal, visível e exposto nos eixos Tete-Zobwe, Tete-Changara, Tete-Chifunde e outros tantos.  Desarborizar para uma sobrevivência sem dignidade nas margens de uma economia extrativa dedicada para o estrangeiro.


A banca pode financiar ouro a produção agrícola, a pesca e criação de gado do pequeno produtor, com base em estudos económicos de viabilidade, não por serem membros de partido nenhum. 


Com mais coragem e visão, o banco pode até financiar o pequeno garimpeiro constituído em cooperativa (uma cooperativa que o Distrito pode disciplinar); o banco passaria a ser o comprador único deste ouro para o encaminhar ao Banco emissor a nível central.  Não é melhor do que deixar compradores exportar de forma clandestina e sem pagamento de taxas de exportação para centros de compra estrangeiros?


Descentralizar as decisões e a autoridade: Um governo Distrital e Provincial que tenham um inventário (dados precisos) dos recursos naturais e onde eles ocorrem (mapeamento) é o ponto de partida.  Uma formulação ao nível Provincial, em comunhão com todos os Distritos, das potencialidades e de uma política económica local e dos recursos necessários para prosseguir essa política pode libertar o potencial do país a partir da base.


Uma negociação com a nação ao nível de Maputo, do espaço para iniciativas autónomas locais, demonstrando como isto, a nível de todas as Províncias, resultaria em uma economia produtiva, base para a nação acumular riqueza e aumentar a capacidade de crédito interno e reduzir concomitantemente, com intenção de eliminar a prazo médio (dez a vinte anos) a necessidade do endividamento externo.  Com o gás no Norte e no Sul do país, penso que, a menos que haja apropriação privada por parte de quem está no poder, temos muitos recursos para reforçar a dependência interna.


A autonomia local ou descentralização de decisões e iniciativas, com uma maquinaria central aliviada das decisões minuciosas e da micro-gestão, para se dedicar mais à imposição de padrões, a supervisão, inspeção e direção desta política económica, estariam criadas as condições para uma política de autossustento.


Grão a grão, enche a galinha o papo, diz o provérbio do nosso antigo colonizador.

Jose,

Tete, Novembro de 2023




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