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BANCO AFRICANO DE DESENVOLVIMENTO EM MOCAMBIQUE

Análise leiga da Nota breve do BAD sobre o gás de Moçambique[1]

 

Quero por este meio oferecer ao meu estimado leitor uma leitura analítica não especializada e reconhecidamente pouco informada, mas provocativa e pertinente do “PROJECT SUMARY NOTE – MOZAMBIQUE LNG AREA 1” de Novembro de 2019 do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).


Dado o carácter promissor das informações contidas neste tipo de documentos emitidos por instituições deste calibre, é importante tecerem-se considerações críticas porque são estas instituições influentes que mais tarde utilizam estes mesmos seus documentos como pontos de referência para inventar padrões contra os quais os países africanos são julgados.  Incluindo Moçambique.  Estas instituições emitem relatórios que década após década reforçam a noção de um continente disfuncional condenado ao subdesenvolvimento, por culpa própria. Dificultando e penalizando assim o acesso ao financiamento internacional. O ladrão que depois de roubar se vira para acusar a vítima despojada dos seus bens, de ser pobre por culpa própria!


Achamos nós que chegou a altura de os intelectuais moçambicanos passarem a ser mais críticos das instituições acreditadas no nosso país, os quais, volvidos cinquenta anos são quase tão culpadas como nós próprios do nosso subdesenvolvimento por falta de honestidade e por se deixarem levar pela inércia da ordem internacional estabelecida, enquanto exibem nomes que nos inspiram confiança.  Banco Africano! Em que medida ele é diferente da Agência (Americana, Francesa, Britânica) de desenvolvimento?  Faz cinquenta anos e daqui a mais cinquenta, estarão fazendo a mesma coisa.  Manter-nos a correr no mesmo lugar como num ginásio, e cada vez mais exangues!


Assim, servindo-me deste documento da autoria do BAD para a minha análise, vou-me cingir e me debruçar sobre três aspectos nele contidos:

 

1.      Papel do Banco

  • De acordo com a nota, o BAD apresenta-se como uma plataforma de mitigação do risco político do projecto do gás de Cabo Delgado.

  • Em seguida, define uma participação do BAD que inclui a monitoria das operações, e a formulação e adopção de indicadores de desenvolvimento económico.

 

Ao adoptar estes dois pontos de ação, o BAD assume um compromisso público com o povo moçambicano que vai para além do clube de investidores.  O povo é a entidade mais importante, mas não participante da mesa de discussões.  Assim, como entidade pública,


  1. Que mecanismo o BAD adoptou para demonstrar ao povo o cumprimento da sua parte neste pacto social, - plataforma de mitigação de riscos políticos- de forma a não dar a impressão de apenas participar na extração e no empobrecimento de um país que por azar da natureza se senta sobre esta riqueza imensa?

  2. O seu papel será apenas de monitoria dos indicadores, ou mais positivamente o de reforçar e assegurar o desenvolvimento, como sua verdadeira missão? Assim, os indicadores não seriam apenas um exercício intelectual só para demonstração, mas serviria de argumento para puxar por uma agenda de desenvolvimento genuíno.

 

Estas questões ficam por responder mais adiante.  Mas porque insistimos sobre o BAD, e não sobre o nosso governo?  A resposta mais aberta é do conhecimento de todos.  Basta dizer que o imenso potencial do gás pode levar o governo a situações de risco de gestão, alguns já concretizados e de conhecimento público, situações para as quais o BAD se prontificou e se apresentou simultaneamente como monitor e financiador.  Portanto, o BAD legitimamente posicionou-se para jogar um papel mais vigoroso no uso racional dos recursos.

 

Por uma questão protocolar, uma vez que na prática o compromisso só pode ser assumido através do governo, o BAD devia procurar uma forma de o governo lhe proporcionar espaço para poder se redimir publicamente perante o estado, em relação a promessas que ficam por escrito.  O BAD deve reconhecer-se como uma instituição mais duradoura do que um governo.  Se assim fosse, ele reconheceria automaticamente que tinha interesse em manter a sua imagem de interlocutor honesto perante o estado.

 

Como é que se prestam as contas ao estado, representando o soberano, o estado sendo o parceiro neste contrato social?  Insistindo que o seu informe seja levado pelo governo ao estado (Assembleia da República).  Os tempos estão mudando e as instituições devem aprender a se adaptar.

 

2.      Alinhamento estratégico

Aqui, o BAD elabora no documento uma linha interessante de políticas destinadas a

 

a)      Melhorar a qualidade de vida do povo Africano

 

O povo Moçambicano incluído. Entretanto não conseguimos vislumbrar a sua articulação ou relação com a Agência de Desenvolvimento do Norte (ADIN), que é o veículo oficial do governo para esta estratégia de beneficiação das populações locais junto a este grande empreendimento.  Qual é a sua forma de agir para atingir este objectivo?  Sabemos da posição da TotalEnergies que em Maio de 2023, revelando-se refractária à ideia de trabalhar com o governo, formalmente decidiu evitar de trabalhar com o estado por acusá-lo de corrupção.  TotalEnergies indica que vai trabalhar com Pamoja Tunaweza, uma ONG nacional que acabará dispondo de muito mais recursos do que o próprio estado na Província.  Minando assim o papel do estado, condição suficiente para o surgimento de tendências de divisão territorial.  Para o qual outras condições estão sendo criadas, incluindo o estacionamento de milhares de militares estrangeiros, africanos, mas estrangeiros, que não tem nenhum calendário para sair do nosso território.

 

É neste marasmo que o BAD se encontra e no qual deve redimir a sua estratégia de melhoramento da qualidade de vida do povo.

 

b)      Industrializar a África. 

 

Em relação à industrialização, a nota destaca de forma aliciante a possível instalação de uma indústria importante de fertilizantes como subproduto deste grande projecto.  A quantas estamos na realização deste sonho industrial?  Não falemos sequer na visão dos 5,000 empregos que nos apresentou, incluindo a questão do género que aliás é de rigor. Ou seria apenas para vender um projecto bonito para “adormecer a vaca leiteira para melhor lhe extrair o leite?” 

  • Porque é que depois de 63 carregamentos e exportação de gás (Jornal Noticias de 12 de Agosto de 2024) o governo se precipitou a criar um Fundo Soberano – para gerações futuras? Uma geração futura que será produzida pela geração actual, pobre, empobrecida e carente.  Como é que uma geração com fome, pobreza, ignorância e vítima de epidemias previsíveis e que se repetem apesar de serem, pode adiar o seu bem-estar para investir no bem-estar de uma geração por nascer?  O BAD, teve espaço para aconselhar?

  • Podemos ter um fundo soberano, mas não ter soberania alimentar.  Um fundo soberano num país ocupado por forças estrangeiras?  Não parece contraditório ao próprio conceito de soberania nos seus vários aspectos?

  • Admira-nos que o que funciona algures não funcione aqui?  Admira que o Fundo Soberano seja um instrumento político politizado?   


Se operamos com padrinhos como o BAD, está claro que vamos sobrevivendo de esquemas em esquemas urdidos noutras realidades económicas, sem a necessária base social ou económica.


Porque, ao contrário da promessa de fabrico de fertilizantes em território, Moçambique cria um fundo soberano, e enquanto continua a ser um mercado de fertilizantes importados, justamente com o apoio do BAD.  Não conheço a qualidade ou assiduidade de inspeção destes fertilizantes importados, porquanto a África continua a ser a lixeira onde se despejam fertilizantes tóxicos há muito tempo proibidos na América e na União Europeia.  Com aliciamento de subsídios, que mais tarde deveremos pagar.  Fazem-nos assumir dívidas para comprar produtos banidos, arcando assim com uma dívida futura, muito depois de estes fertilizantes terem arrebentado com a capacidade produtora das nossas terras (até teremos esquecido a razão da infertilidade das terras), será o momento de pagar a dívida: a dívida vencerá e deverá ser paga em tempos de mais fome.

 

Como é que então queremos que os nossos filhos não nos venham a  amaldiçoar por não termos resistido e lutado melhor contra as forças neocoloniais?

 

Com efeito, tão recentemente como a 14 de Junho de 2024, o BAD patrocinou o lançamento de um projeto de financiamento de fertilizantes para uma gestão agrícola sustentável[2].  Este esquema não é industrialização, mas promoção comercial, com objectivo de manter o mercado Moçambicano aberto ao consumo de fertilizantes importados.  Como dita o rigor protocolar, o lançamento contou com a participação do governo, do BAD, e curiosamente, do Embaixador da Noruega em Moçambique. 


Quem souber donde vem este fertilizante compreenderá a presença deste diplomata ocidental.  E pode-se adivinhar quem não ficaria muito contente se Moçambique passasse a fabricar os seus próprios fertilizantes em vez de os importar.  Espero ter provado que estes pequenos projectos lançados com a presença do nosso governante, são na realidade um combate à industrialização do nosso país. A presença do governante tendo sido orquestrada para interpretar que o governo aprova tacitamente esta desindustrialização.  Não foi essa a compreensão do governante, com certeza.


Cuidadosamente evitando de falar de industrialização, diz a comunicação que o projecto oferece um empréstimo de $2 milhoes de dólares e um donativo de $877,980 para apoiar actividades de conservação da fertilidade do solo e formação do camponês.  O nosso parceiro BAD, não tem a imaginação de conectar estes recursos financeiros ao projecto do gás de que é padrinho, não se lembra que existe esta promessa de industrialização através da instalação de uma fábrica de fertilizantes.  O BAD age assim como o pé atravessado na porta para manter o mercado aberto e dependente da importação infinita.

  • Compreendemos que um banco é um agente agiota irredimível por natureza.

  • De fertilizantes importados já dependemos nós, para sermos empurrados mais ao fundo.

 

3.      Transferência de conhecimentos

Sabe-se hoje que o gás de Cabo Delgado está localizado 40 Km adentro do oceano.  Mais do que nenhuma outra instituição, O BAD sabe que o Africano de hoje não tem a tradição de navegação marítima que teve séculos atrás.  O que significa que o que se passa no alto mar a 40 Km não é necessariamente do controle soberano do país.  Sem isentar o governo, o que faz o BAD, em apoio ao governo e no seu papel de gestor de riscos, de patrocinador e de instituição africana, para garantir que

  1. quem explora o gás,

  2. quem declara o volume e a qualidade de produção, e por conseguinte,

  3. quem determina o nível de imposto e realezas devidos ao estado (a partir de quando),

  4. quem certifica que quantidades se estão a exportar,

  5. quem determina e fixa o preço,

  6. quem compra,

  7. quem embarca e transporta e

  8. quem põe no mercado, valorizando ou desvalorizando o gás à sua conveniência


não é o mesmíssimo que veio, está a extrair e produzir? Quer dizer, livremente, simultaneamente, supinamente e sem impedimentos, jogando cumulativa e simultaneamente os papéis de expectador, jogador, árbitro, treinador, comentador, e patrocinador!  O BAD nos podia e pode ainda ajudar a assumir um papel mais central que nos habilite a recuperar um pouco de soberania.


Conclusão

Não estamos aqui perante uma situação não desejável e que deve ser modificada, com ou sem o consentimento dos parceiros de desenvolvimento?


Fica provado, através de acontecimentos nacionais, dos pronunciamentos dos nossos estudiosos e outras personalidades de referência e prestígio, que o estado está excessivamente debilitado por interesses de uma elite próxima dos grandes projetos.  Talvez o BAD se encontre numa esquina.  O financiamento do BAD é diferente do financiamento das outras partes interessadas no gás, que gerem o financiamento elas próprias.  O financiamento do BAD é muito provavelmente feito através de esquemas legítimos como o famoso PPP.  Este, por ser legítimo, não deixa de ser uma falácia copiada na nossa maneira de gerir negócios, que faz com que parceiros nacionais sejam entidades cuja única contribuição é a influência política e o registo de companhias sem nenhuma participação financeira.  Ao operar neste ecossistema, como é que o BAD se apresenta a nós, plebe Moçambicana?


Depositamos confiança no rótulo de Africano, esperando que ele seja radicalmente diferente dos outros bancos internacionais, o FMI e o Banco Mundial em particular, tais abutres que mantêm a vítima sempre ferida, dependente e débil, mas não morta.  O mais que não seja, porque o Banco leva consigo o adjectivo de “Africano”.


O núcleo da minha mensagem é que pela leitura que faço desta nota, o BAD tem um longo caminho a percorrer para provar que trabalha realmente para o desenvolvimento de África, como reclama o seu nome.  Para isso, deve fazer uma reflexão profunda da sua política, da sua filiação e dos seus verdadeiros intentos: a pura especulação bancária, que é legítima, conforme as origens e natureza da banca, ou o apoio ao desenvolvimento dos países africanos, o que requer prova de maior coragem e engajamento.  O que tornaria o BAD num agente económico, financeiro e político.  Basta analisar como o seu Presidente, Adesina, se apresenta e se comporta.


O tsunami anti-neocolonial em Árica já está a caminho e se as instituições criadas e que funcionam à imagem do FMI e do Banco Mundial não reconhecem os sinais precursores, arriscam-se a viver uma revolução juvenil sem amortecedores.  A África já não aceita as mentiras camufladas em “apoio ao desenvolvimento”, a chantagem política, intelectual e mediática chamada “democracia” ou a mentira da “ajuda internacional”.  Com tantos recursos, Moçambique apenas precisa de disciplina no trabalho, trabalho no duro, tecnologia e espaço para decisões soberanas.  É liderança implacável contra o adulador, não de chefia que, volvidos cinquenta anos, nós precisamos.


Banco de Desenvolvimento? Banco Africano? Ou simplesmente banco carreirista dos usurários que já conhecemos?


Matéria para reflexão.

Jose

Tete, Novembro de 2024

 


 

 



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