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CARTA ABERTA A DANIEL CHAPO - Re-editado

O momento político em Moçambique depois das eleições de Outubro me leva a rever a minha literatura para de novo ressaltar certos aspectos e certas realidades.  Esta é a minha contribuição para este combate duma juventude ignorada, como reformado que não pode mais se juntar ao jovem e ir à rua manifestar.  O escravo que não tenta se revoltar, não merece que tenhamos pena dele, diz a sabedoria Africana (Steve Biko).  Pois a minha revolta não pode ser física, mas pode e é esta contribuição, a análise intelectual de situações que nos devem interpelar a todos como cidadãos. A ruptura desastrosa do contrato entre o povo soberano e o estado, por causa do padrinho que se interpõe: o partido!

 

O artigo


Parabéns por ter ganho a nominação do seu partido rumo a eleição presidencial de Outubro deste ano.  Não tenho dúvidas que vai ganhar, por três razoes:

  1. A maquinaria eleitoral do seu partido; e como não o conheço pessoalmente, nada tenho a dizer do seu mérito e determinação.  Bem haja.  Posso sim, dizer que pode contar com o que resta das esperanças de uma juventude desiludida;

  2. A rejeição virulenta pela Renamo das forças renovadoras juvenis e o seu conforto em permanecer onde está: numa oposição financiada para se sentar no Parlamento e dar impressão de democracia (qualquer que seja o sentido dessa palavra inflacionada).  Infelizmente o imobilismo desse partido será a sua destruição.  Este não é seu assunto, mas conta nos cálculos;

  3. O nível de abstenções que não preocupa a nenhum partido aparentemente[1].


Tomamos conhecimento de que a sua eleição até foi para si surpresa, e que se tinha deslocado a Maputo com apenas uma muda de roupa.  Parabéns.  Ficaram públicas as dissensões que caracterizaram a sua eleição dentro do partido, um processo que felizmente acabou destilando-o de toda aquela intriga[2]


Já visitou Tete e foi apresentado ao público.  E vossemecê deu-nos uma ideia das suas prioridades, com as quais estamos plenamente de acordo: o combate a corrupção (diria eu, morte à corrupção, característica infeliz da governação africana de família), o melhoramento de infraestruturas, etc.  Foi uma primeira saída e não podemos exigir demasiado.  Mas podemos propor e mostrar que esperamos muitíssimo mais de si.  Voltarei a este capítulo depois de três intercalares que desejo inserir como esperança de muitos, a saber:

  • Agora que tem mais perto de si o ouvido do chefe, sugira que ele, como Chefe de Estado, não como chefe de partido, também apresente os outros pretendentes à Presidência, cadeira que ele vai vagar, ao menos numa Província.

  • Considere não aceitar a proposta quase automática de lhe conferir a presidência do partido, para se dedicar de corpo e alma aos pesados problemas do país e para ter a liberdade de se comportar como pai de todos os Moçambicanos, sem distinção da sua convicção ou afiliação (ou não afiliação) política.  Isso poderá reforçar a unidade nacional.  Não é fácil porque a maquinaria que o produziu a si não foi montada assim.  Mudar é importante para ganhar a potência que se deseja.  Essa potência não está numa presidência imperial, mas numa presidência de liderança e de serviço.  Neste assunto melindroso, vai ter que ser tático, talvez aceitando em primeiro lugar a tal presidência do partido e dentro dela, ter o poder de sair de forma galante e incontestável. Sem pressão interna, pois poderá usar desse poder para sair do mesmo poder constrangente.

  • A semente que não morre, não germina.  As ideias que não são confrontadas, desafiadas e expostas ao choque, acabam como o cão que procura morder a sua própria cauda.  Evite os lambe-botas que passam o tempo a cantar hossanas ao chefe e rei, aprecie e encoraje a diversidade e o desafio de ideias contrárias.  Peleje com a ideia, não com a pessoa que ofereceu a ideia.


Parabéns.  Dito isto, agora quanto ao seu programa, que nos interessa a todos sobremaneira porque ele determinará a nossa miséria, a nossa estagnação, a nossa morte mesmo, ou o nosso progresso e mesmo a nossa transformação num povo orgulhoso e rico, à medida das riquezas naturais do país.  De forma preliminar, sabemos que existem duas pressões internas no seu partido, as quais vão querer apropriar-se da sua atenção:

  1. Uma ala que detém grandes negócios em virtude das suas posições de poder anteriores ou presentes: vão procurar proteção, nem que seja opondo-se ao seu programa de combate à corrupção.

  2. O grupo (encurralado?) dos que puramente têm casos claros de corrupção nos seus calcanhares.  São pessoas que vai dever saber gerir, para, por um lado, não criar conflitos que podem ser muito desastrosos para o país e para certos indivíduos, e por outro, verdadeira e resolutamente acabar com a corrupção, a droga e os raptos, todos eles males internos.

 

Dos grandes dossiers, queremos submeter os seguintes para o cesto das suas prioridades:

  1. Cabo Delgado; a segurança e a paz para aquele povo são nossa segurança e nossa paz, porque fazemos parte de um só povo, uma só nação.  Não achamos que exércitos externos tenham a mesma determinação e dever de acabar com o terrorismo como tem o soldado Moçambicano.  A nosso entender, ele deve ser devidamente armado e formado, educado e disciplinado, valorizado e acompanhado.  Até quando vai o povo sofrer?

  2. A educação: passamos quase em silêncio a questão da qualidade da educação, dramatizada pelos crassos erros de alguns livros imprimidos e que estiveram em uso nas escolas muito recentemente.  Para não falar das passagens automáticas e dos testes de escolha múltipla que deseducam o estudante. Ou do salário e das horas extras do professor, tão pobre como um rato da sacristia

  3. A saúde: as repetidas greves dos profissionais da saúde não passam despercebidas a ninguém, tanto mais que cada greve representa literalmente e mortalmente a suspensão do direito de todos os cidadãos à vida.  Indício de que algo está gravemente errado e em estado permanente de coma, e da falta de carinho devido aos profissionais deste ramo.

  4. A segurança alimentar: um país abençoado por Deus e rico de rios, vales e lagos vai enfrentar este ano fome em várias partes do território.  Sem soberania alimentar, o que somos?


Evitemos de encher o seu cesto.  Sabemos que vossemecê não tem dúvidas de que o cabaz está já muito cheio e pesado:

  • Um orçamento nacional que só funciona com dívidas circulares para pagar dívidas;

  • um sistema bancário altivo e distanciado do pequeno produtor e do pequeno empreendedor;

  • o acesso à energia, mais cara em tete, onde ela é produzida, e menos cara na Africa do Sul para onde se exporta, de pois de percorrer 1.600Km!

  • contratos de gás, carvão e outros minerais que permitem a exportação excessiva do capital (nós, país pobre, estamos a financiar países ricos que exploram os nossos recursos com a nossa permissão),

  • e a desvalorização dos nossos recursos através de esquemas tais que as transferências do preço[3]

  • Que mais lhe diga!


Parabéns.  A propósito de Tete, que visitou para inaugurar a sua campanha, e para além da seca cujos efeitos alimentares se farão sentir daqui há mais quatro meses, temos dois grandes problemas que passaram a ser quase vida normal e silenciosamente sofridos pelo povo das duas cidades desta Província:

  1. Para ir de Tete a Moatize, uma distância de menos de 15Km passou a 45Km por causa do desabamento de uma ponte que em tempos suportou todos os camiões de cimento da construção de Cahora Bassa!  Combustível a mais ou ginástica para evitar gasto de dinheiro, duas portagens a pagar.  Não sabemos qual era o plano da reconstrução de uma ponte que agora não aguenta sequer o peso de uma viatura ligeira.  Numa encruzilhada económica importante entre Moçambique, Malawi, Zâmbia e Zimbabwe. Não falo sequer, Deus nos guarde, se houvesse uma crise de segurança.

  2. E a poeira do carvão de Moatize e Chirodzi, da mineração a céu aberto.  O que será da saúde das populações de Tete e Moatize daqui a mais dez anos?  Quem tinha o dever e poder de e para tomar medidas mais corajosas no passado talvez não esteja presente para responder.  Não nos parece justo calcular que quando se vier a declarar uma epidemia sanitária (pulmonar), “eu já nem estarei aqui”.  As consequências da falta de ação por parte de quem tem o poder hoje afetarão gerações futuras. Essas gerações vão perguntar: que tipo de líderes tivemos no nosso passado?


Parabéns.  Vossemecê teria a coragem de sequer pensar na separação de poderes e na redução dos poderes presidenciais?  Quem disser que isso é da competência do Parlamento, não conhece com certeza como funciona o nosso Parlamento.  E olhe: ainda que isso pareça um suicídio político dentro da confraria, ao contrário, reforçaria a sua credibilidade, não como chefe, mas como líder nacional.  Isso tocaria profundamente o coração do povo Moçambicano, melhor segurança pessoal do que a equipa de segurança pessoal que vão pôr ao seu redor, uma vez presidenciado!  Pense numa visitazinha ao Burkina Faso quando estiver no poleiro.


Parabéns e aquele abração antes que suba ao trono. Boa sorte daí em diante.

Jose,

Tete, 30 de Maio de 2024


 


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