O momento político em Moçambique depois das eleições de Outubro me leva a rever a minha literatura para de novo ressaltar certos aspectos e certas realidades. Esta é a minha contribuição para este combate duma juventude ignorada, como reformado que não pode mais se juntar ao jovem e ir à rua manifestar. O escravo que não tenta se revoltar, não merece que tenhamos pena dele, diz a sabedoria Africana (Steve Biko). Pois a minha revolta não pode ser física, mas pode e é esta contribuição, a análise intelectual de situações que nos devem interpelar a todos como cidadãos. A ruptura desastrosa do contrato entre o povo soberano e o estado, por causa do padrinho que se interpõe: o partido!
O artigo
Hoje a história é de água.
O dia 25 de Junho de 2024 mexeu com as minhas emoções e com a minha imaginação. Começarei por dizer que me encontro emocionado por ter visto o quadragésimo nono ano da independência do nosso país, Moçambique. Emocionado também por ouvir de muitas pessoas menos privilegiadas do que eu, que este país pertence a um grupo de donos que fazem o que querem, como quere, onde querem, quando querem e quanto querem. Imunes. O que lhes dá este direito sem deveres para com o país? enfim, estou ultrapassado.
A mim resta, pois, escrever honesta e verdadeiramente, na esperança de que os chefes venham a ler-me e esta leitura lhes sirva para reflexão e ajustes necessários, nas atitudes, nas instituições, nos serviços. Enfim, uma chamada para regressarem ao patriotismo que tanto professaram e ao juramento do qual o povo lhes confiou as rédeas do país. Que passem de ser chefes para serem dirigentes e servidores.
Neste artigo vou falar de água. Água do centro, Água de Tete, enfim, água. Mas podia falar de escolas ou outro serviço e ainda a mensagem seria a mesma: volvidos 49 anos e com tantos recursos, Moçambique estaria noutra situação. As crianças não estariam a estudar ao abrigo de árvores, a escrever no chão mesmo na capital do país, enquanto a nossa madeira se exporta para a China e outros países.
Ouvi até algum dirigente falando num Português rebuscado e mais fino do que o dos próprios Portugueses, a dizer que as estradas se estragam no país porque cada família moçambicana tem três ou quatro viaturas! ou o outro que afirmou que os Moçambicanos tem três refeições por dia. Onde vivem esses senhores? que falta de sensibilidade e que impunidade é essa? Os nossos professores hoje não recebem horas extraordinárias que eu, quando era professor (1974-1980) considerava como direito indisputável e mensal.
Enfim, voltemos à água. Esse precioso líquido que em tempos era grátis, limpo e natural. Hoje, água limpa só comprada. E a que preços! quem procura água grátis hoje só a encontra diretamente no rio, riacho ou lagoa. Com todos os riscos.
O fornecimento e distribuição de água na cidade passou a ser um meio de exploração financeira. Não conheço os donos da empresa Águas do Centro, mas parece-me que o estado abdicou da sua responsabilidade, em favor de uma canção de passarinho neocolonial chamada PPP. Nem parece ser preocupação do Presidente do Conselho Municipal. A maneira como somos atendidos dá-me a impressão de que até o recrutamento para a Fipag tem os seus meandros. O profissionalismo no atendimento é muito questionável. Escrevi uma carta de reclamação, e em vez de se atender ao problema, recebi mais três faturas, enquanto não foi atendida a primeira reclamação. Significa, portanto, que a contabilidade continua a faturar ignorando o interesse do cliente, sem resolver o problema da primeira fatura, e que não existe reconciliação e verificação financeira.
Isso para quem recebe água canalizada em casa. Nesta cidade, a conversa sobre o acesso à água potável seria muito longa e é muito triste.
A água em Tete não chega a toda a cidade, uma urbe em expansão desde a independência: mas quem não sabe que a expansão demográfica deve ser tida em conta no planeamento de serviços? Canalização: Exceptuando a canalização privada, quando é que se expandiu a canalização para responder ao aumento da população urbana?
A cidade de Tete é servida não só pelo grande Zambeze, que corta a cidade a meio, mas também um rio menor que passa pelo Chingodzi, proveniente de mais a Norte. Não é uma cidade com penúria de água, mas falta a água em muitos quarteirões. Esta falta deu lugar a mais um negócio que solicita o bolso do cidadão que não tem dinheiro: as furgonetas ou camiões cisternas que trazem água do rio para o domicílio, contra pagamento imediato: uma cisterna de 20.000 litros a 5.000 Meticais. Os meus vizinhos vêm acarretar águas negras que se escoam do nosso condomínio apesar de saberem que não é potável e pode trazer doenças.
Nesta altura de eleições, esperamos melhor serviço dos que procuram ser eleitos para o oficio público. Esperamos um Parlamento acima das críticas atuais. O político que tem ouvidos, que ouça. Não são recursos que faltam em Tete, uma província com muito carvão[1], com uma barragem hidroelétrica[2]. Não é uma província pobre que não possa dar água, não faltam pessoas para fazer melhor planeamento urbano tendo em conta o crescimento demográfico e não falta dinheiro para alcatroar ou abrir novas estradas. Então o que falta?
Digo: a maior parte das Províncias de Moçambique são ricas e uma certa descentralização ajudaria a nação a melhor utilizar os recursos para atender e melhorar a vida dos cidadãos. Água.
A falta de diálogo entre os chefes políticos e administrativos (que na realidade são também políticos) e o povo parece um défice enorme que talvez se pode colmatar. O chefe que dialoga com o povo passa a ser dirigente porque as suas decisões são informadas pelas necessidades do povo. Água.
Amanhã celebraremos logo logo cinquenta anos de independência. É uma vida inteira. Tenhamos melhoramento no fornecimento de água, afim de evitarmos a cólera e outras doenças hídricas. Um Moçambique saudável. Água.
Tete me parece um microcosmo de algo mais dramático aos quarenta e nove anos?
Jose,
Tete, 30 de Junho de 2024
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