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DEBATE SOBRE A DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS EM MOCAMBIQUE

Writer's picture: canhandulacanhandula

12 DE DEZEMBRO DE 2023 (PRESENCIAL E ONLINE)


Muito obrigado a quem me deu a oportunidade de ouvir os eruditos painelistas e de participar silenciosamente online nesta reflexão.  Primeiro para dizer que sou de Tete, tendo vivido trinta anos no exterior do país até a reforma, faz agora dois anos.  Sempre segui a evolução do país desde os tempos que fui professor em Chimoio e Terceiro Secretario no Ministério dos Negócios Estrangeiros.  Aliás, desde os tempos da luta de libertação e da independência nacional até hoje.  As mudanças operadas no país são violentas e esta discussão vem muito a propósito.  Este debate vem a propósito também dos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da confusão das recentes eleições municipais em Moçambique, sobre as quais não preciso de tecer mais considerações.  Pedi para oferecer este artigo aos organizadores para fazer dele o que achassem útil, mas não recebi resposta.  Eis a razão pela qual vou por no meu site internet.

 

1.      Direitos Humanos e Democracia em Mocambique


Falar de Direitos humanos e democracia ao mesmo tempo é natural e lógico hoje e mostra como um conceito está intimamente ligado ao outro.  Na sua concessão e evolução são inseparáveis, claramente os direitos humanos tendo primazia e determinando a qualidade de democracia.


Academicamente, politicamente e administrativamente significa que podemos já concatenar os dois conceitos e dizer sem erro de julgamento: democracia é o direito humano à vida, a uma vida condigna e à segurança pessoal, prerrequisitos para a participação, sendo este último o denominador comum dos valores democráticos.


Consequentemente e logo aqui estou dizendo que a situação de guerra de Cabo Delgado como meu primeiro ponto de referência nacional, representa uma deficiência do direito humano à vida condigna, uma vez que centenas de milhares dos nossos compatriotas continuam a fugir a guerra e a viver em campos de deslocados em condições míseras e sub-humanas.  Portanto uma existência num ambiente de défice democrático.  E quem devia garantir ou restabelecer essa democracia?


Ademais, entendo por democracia o direito à opinião.  Quando os jovens são ativamente discriminados e impedidos mesmo do acesso ao emprego na função administrativa pública por serem da oposição, não só não existe democracia, mas é também um atentado ao direito humano a uma vida valorizada pelo emprego.  É na realidade um indício de que, por razões partidárias se promove em Moçambique a discriminação e semeia-se o germe para a perpetuação da discriminação, dando exemplo a outros partidos quando estes acederem ao poder, procederem de forma semelhante.


Logo aí, estou questionando a relação entre o estado e os partidos que, 48 anos depois da independência, deviam evoluir, porque o jovem de 55 anos hoje não viveu a guerra colonial.  Ele hoje representa 93% da população. Sendo assim, quantos jovens estão sendo alienados por esta discriminação?  Uma situação perigosa em termos de estabilidade do mesmo estado.


A democracia como forma de organização administrativa deve abrir espaço à participação do povo governado para melhorar as relações entre este e os seus governantes.  Foi minha compreensão que o fim da guerra com a Renamo teria sido condicionado a uma descentralização de certos poderes, para abrir espaço à participação democrática.  Esta descentralização foi enviada sine die, por uma Assembleia da Republica onde a maioria exerceu a sua ditadura e esqueceu-se que a minoria fazia parte do último conflito armado nacional. E não se deu sequer ao respeito de prometer uma data determinada ao povo.  Quem finalmente representa o povo e a que propósito vem finalmente o povo nesta governação?


Democracia como forma de governação em Moçambique está seriamente fora dos parâmetros, porque estamos num país onde o Presidente, pelos poderes que lhe são atribuídos pela constituição, nomeia dirigentes de instituições que em princípio tem o dever e o poder nominal de interrogar as ações desta mesma autoridade nomeadora, e se necessário declará-las inconstitucionais.  Tecnicamente podem invalidar decisões do Presidente, mas estão subordinados à sua boa vontade, uma contradição.  A conclusão é evidente mutatis mutandis para a CNE, para o Conselho Constitucional, para a alta magistratura, etc


O papel do estado na defesa destes direitos, independentemente da pertença partidária:  Achamos que chegou o momento para Moçambique definir a posição do estado em relação ao povo, e em relação aos valores que herdamos nestas noções filosóficas.  A classe intelectual deve elevar-se acima das classes políticas atuais afim de nos ajudar a definir de forma institucional duradoura e administrativamente  abstraídas dos interesses do momento.  Arrancar a Constituição e revê-la.  Existem exemplos de descentralização e de respeito pela Constituição em países como o Kenya, que foi capaz por duas vezes de suspender a vitória presumida de um candidato presidencial.  E cuja coluna judicial é suficientemente forte e donde se pode aprender muito.


Não vamos a tempo de influenciar as eleições de 2024.  Mas vamos estabelecer a nossa meta para 2029.  Muito possível com tenacidade intelectual.


Precisamos de nos demarcar do pessimismo sobre a África. E porque Moçambique não pode ser um exemplo brilhante, uma exceção a seguir?


2.      Desafio


Para alimentar melhor a reflexão, eis aqui o nosso questionamento:

  • De que democracia estamos falando em Moçambique?  Quem serve hoje de padrão para Moçambique?

  • Qual é o papel cívico do acadêmico na institucionalização duradoura do respeito pelos direitos humanos e dos padrões democráticos? e como se exerce esta institucionalização para além das palestras?

  • Quando se fala de democracia em Moçambique, quem põe o guizo ao gato, onde está o guizo e onde está o gato?

  • A pratica democrática e a democracia institucionalizada: que programa de formação em democracia para o aparelho de estado (e talvez para os partidos políticos)?

 

3.      Outras considerações


Democracia e educação: a educação é um direito humano fundamental, mas nós sabemos que nos nossos países a educação tende a estar ao serviço de uma ideologia: a manutenção e transmissão de privilégios de uma minoria a uma minoria progênita.  Daí que a qualidade da educação para o zé povinho passa a ser preocupação secundária do estado, como é o caso de Moçambique, onde o crime de deficiência dos livros de instrução escolar não é punido.  Porque? Porque o estado não assumiu a filosofia de que

  • A Democracia exige justiça e equidade (igualdade de oportunidades) econômicas.

  • É dever do estado desenvolver o seu povo com capacidade de participação para poder sair do ciclo de pobreza.


Em vez disso, assistimos em Moçambique a criminalização do pequeno garimpeiro e expulsão de populações de vastos terrenos para exploração mineira e hoje dizemos que estamos combatendo a insurgência sem lhe retirar o combustível, que é a recusa do espaço de participação econômica (e política).  Um povo que pelo seu nível de instrução, não melhorado desde a independência a 48 anos, só pode aceder a atividades econômicas de sobrevivência diária.


Na nossa realidade nacional o Presidente do estado é também presidente de alguns filhos (no seio do partido de pertença). Porque é que os partidos não permitem que seja presidente um moçambicano adulto, maduro, qualificado, administrador, diplomata, definidor e defensor dos interesses nacionais, agregador e que não pertença a um partido?  Porque é assim que a política se exerce em todos os países Africanos.  Porque e que Moçambique não pode ter a temeridade de ser diferente?


4.      Âmbito de considerações


Por fim, Moçambique não age no vazio, faz parte do concerto das Nações.  Daí que o debate sobre a democracia e os Direitos humanos não deva ser paroquial, mas se abra do nacional para o regional e internacional.  Em virtude desta consideração, que espero seja comungada, duas situações sobre a democracia e os Direitos Humanos:


Que democracia? A democracia recebida e aprendida de estados que se estabeleceram há mais tempo do que Moçambique: os estados originários dos direitos humanos e da democracia passam o tempo a mostrar pelo seu comportamento internacional, pelo seu racismo e pela sua dominação econômica, que estes direitos, instrumentos internacionais e convenções, às quais aderiram todos os países do planeta, não se aplicam aos países mais fortes, mas a nós do chamado terceiro Mundo.  Não será tempo de nós começarmos a avançar os nossos próprios valores?   A indústria do armamento e os grandes interesses financeiros, industriais e econômicos determinam o comportamento ocidental em relação a Líbia, Síria, Irão e Iraque, e fazem com que hoje partes do Iraque e da Síria continuem ocupados pelos EUA, precisamente onde existem maiores jazigos de petróleo.  Parece haver uma corrupção aqui que vem do exemplo dos mais estridentes profetas da democracia.


Que Direitos Humanos?  Falemos da Palestina e da maneira como o Primeiro Ministro do Reino Unido, O presidente e Secretário de Estado dos Estados Unidos, o Presidente da Franca, o Chanceler Alemão, a Presidente da Uniao Europeia e o seu chefe de diplomacia e outros dirigentes Europeus acorreram a Tel Aviv para confortar o Primeiro Ministro Israelita, financiar, equipar e aprovar a chacina e o genocídio contra o povo Palestino. 

 

Jose

Dezembro de 2023



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