VERSÃO EM PORTUGUÊS
A posição da maior parte dos países de África nas Nações Unidas sobre a guerra Ucrânia-Rússia, igualmente exprimida aquando da visita de sete presidentes africanos a Moscou e Kiev, foi a indicação mais pública e mais publicitada de que a África não estava mais engolindo a conversa fiada do discurso de democracia, como dizem. A posição de Africa é ditada, em primeiro lugar, pelo conhecimento dos antecedentes históricos, e em segundo lugar, por uma sensação de que os nossos interesses nacionais não contam patavina para os mais poderosos; então porque e que a África deveria partilhar as preocupações deles? A África sempre foi um caso vencido. Os países poderosos pensam que, uma vez que fornecem ajuda financeira, podem decidir quais são os interesses de outros países. A primeira votação na ONU sobre a invasão da Ucrânia foi a primeira indicação de que estamos cansados. Muito em breve quando a nossa juventude tomar o poder, mostrará que podemos dispensar a ajuda como forma de nos alinhar com interesses estrangeiros.
o interesse deles não é necessariamente o nosso interesse. Da mesma forma, o inimigo deles não é necessariamente nosso inimigo. Apesar de a guerra deles afetar a todos, mesmo assim essa não é guerra nossa. Todos os esforços para torcer o braço aos países africanos, tais como as visitas estrangeiras este ano, da América, da França, da Alemanha, da União Europeia, da Rússia, e outros tantos industrializados, mostram o quão importante e a Africa neste jogo. Chegou a hora de fazermos as nossas posições trabalharem para nós, não para eles. Se ao trabalharem para nós também funcionam para eles, então é uma situação vantajosa para ambas as partes, sobre a qual não teríamos objeções.
Este ano, dois acontecimentos importantes terão grande influência sobre a África em tanto que continente, e espero que a nossa elite em Moçambique esteja a acompanhar de perto e a deduzir as implicações, porque Moçambique está representada em ambos: a Cimeira Rússia-África de São Petersburgo e a Cimeira dos BRICS em Joanesburgo. Esses acontecimentos são também de interesse global.
Participação em São Petersburgo: O que me fica na memoria da Cimeira de São Petersburgo foi o esforço gigantesco e a intimidação imposta aos países africanos para não participarem no evento na Rússia. Mesmo assim, estiveram ainda presentes cerca de 15 chefes de Estado, num total de 45 países africanos. A imprensa mundial dominante quis fazer-nos acreditar que esse número representou um fracasso uma vez que a última cimeira deste tipo reuniu três vezes mais presidentes. A imprensa ignorou tendenciosamente o facto de, embora não a nível presidencial, mais de 40 países estiveram presentes. E a imprensa talvez não tenha presente na sua memoria seletiva que a nova resolução dos Presidentes Africanos e de enviar uma representação mais pequena sempre que houver uma Cimeira convidando todos os Presidentes: alguns Presidentes e os órgãos Continentais serão doravante suficientes para uma representação adequada do Continente. Cito aqui o Presidente Ruto: não é produtivo nem respeitoso que todos os 45 presidentes africanos sejam entulhados em autocarros para ir participar cimeira com um cavalheiro que representa um país poderoso. O máximo que conseguimos são dois minutos de intervenção e uma foto de grupo, nada de substancial. Acabamos por ser constrangidos a ouvir a agenda deles. Assim, o melhor para a África é ser representada por dirigentes de instituições continentais, chefiadas pelo presidente da União Africana, sendo ele próprio um Chefe de Estado.
São Petersburgo para mim foi uma oportunidade para dois discursos e uma mensagem de importância capital.
Os discursos:
(i) O Presidente do Burkina Faso, Ibrahim Traore (anexo): este foi o discurso mais importante, transmitindo o que a juventude africana vem dizendo já faz algum tempo: à França, à Europa e ao mundo, principalmente, aos velhos líderes da sua própria África. Depois de começar o seu discurso desculpando-se pela franqueza com que desejava se dirigir aos seus colegas mais velhos, deixou sobre a mesa, e de forma contundente, as seguintes mensagens. É minha opinião em tanto que Moçambicano e Africano que os nossos líderes africanos ouçam, se não quisermos derramar sangue africano na defesa de interesses estrangeiros:
Uma vez que estamos aqui para falar sobre o futuro do nosso continente, minha geração está a fazer-me perguntas que não posso responder: Com todos os recursos naturais que o continente africano possui: terra fértil, água, sol, minerais, etc., porque e que continuamos assim tao pobres que nos vemos na necessidade de viajar pelo mundo inteiro a mendigar?
Porque será que a nossa juventude está a tentar atravessar e morrendo no oceano para ir para a Europa para escapar a pobreza?
Da próxima vez, em vez de atravessar para a Europa, os jovens irão atravessar a rua para o palácio presidencial para procurar o seu pequeno sustento.
O escravo que não se insurge contra a opressão não merece compaixão. E se não temos pena de nós próprios, não peçamos aos outros que se comiserem connosco.
É uma pena ver presidentes africanos que não contribuem nada para o seu povo faminto, mas passam o tempo a adotar a linguagem dos imperialistas e nos acusam de sermos milícias. De que direitos humanos estão eles falando? Chegou o tempo de deixarmos de dançar cada vez que os imperialistas cantam.
Da próxima vez que nos encontrarmos aqui em cimeira, devemos estar todos a caminho da autossuficiência alimentar, para falarmos de tecnologia, não de alimentação.
(ii) Claro que a velha guarda não deixaria passar este desaforo e a resposta nao se fez esperar: o presidente do Senegal tomou a palavra para denunciar o discurso do seu irmão mais novo e inexperiente. (ele não disse a palavra inexperiente, mas o discurso deu isso a entender). O que compreendi naquela resposta foi uma França que estava falando e se defendendo. A velha guarda não entendeu que o movimento jovem é agora imparável. quem não entendeu o presidente do Burkina Faso, ficou surpreso quando no dia seguinte houve um golpe no Níger e os militares assumiram o poder. O presidente do Níger, Bazoum, foi destituído pelos militares. Este acontecimento dramático precipitou várias coisas, entre as quais duas são importantes:
Sob pressão da América e da França, a CEDEAO, denunciou o golpe e exigiu a reposição do Presidente Bazoum, (foi meu vizinho e Ministro dos Negócios Estrangeiros em Niamey quando trabalhei lá), impôs sanções e fechou as fronteiras, e disse que se fosse necessário, usariam da força para trazer de novo Bazoum ao poder.
Além do apoio ao novo líder pela maioria esmagadora do povo do Níger (Presidente esse que suspendeu de imediato a exportação do urânio e ouro do país e exigiu a retirada dos contingentes militares da França e da América dentro de três dias), quatro países da zona declararam a sua solidariedade e apoio para o novo governo do Níger e declararam que se posicionariam do lado do Níger caso a CEDEAO decidisse intervir militarmente: Guiné, Mali, Burkina Faso e Argélia.
O que está em jogo: as exportações de urânio e de ouro para a França, e agora que a Rússia não exporta mais urânio para o resto da Europa e para os Estados Unidos por causa das sanções, os Estados Unidos querem também meter a mão no bolo. Em São Petersburgo, a África falou de forma inequívoca: precisamos de nos industrializar e de deixar de ser exportadores de areia e poeira que escondem metais preciosos. O urânio que o Níger exporta para a Europa é responsável por 25% da eletricidade na França e 20% na Europa. O próprio Níger recebe taxas de exploração derrisórias de US$ 130 milhões por ano pelo urânio. Vivi e trabalhei no Níger e, além de Niamey, outras cidades têm as suas sagas de eletricidade. Porque motivo?
Na cimeira de São Petersburgo, a Rússia novamente perdoou dívidas no valor de 23 bilhões de dólares a vários países africanos. Isso contrasta com a tradição ocidental de responder ao peso da dívida da África: reescalonamento, ou seja, transferindo o peso de um ombro para outro sem por isso o reduzir, com a cumplicidade das Instituições de Bretton Woods (BM, FMI). Endividados, ficamos cativos até que um dia alguém conclua que não podemos pagar e por isso nos forcem a ceder o nosso património nacional.
Na verdade, o apoio que foi dado à Ucrânia pelo FMI e outros desde o princípio da guerra, não vai ser de graça; de uma forma ou de outra esse empréstimo será reembolsado pelo povo Ucraniano logo que a guerra acabar. E porque e que um país em guerra merece tanto dinheiro quando Moçambique mereceu apenas migalhas de comiseração quando estava em guerra civil?
O outro lado podre da moeda: o grande alarido sobre o acordo de cereais negociado pela ONU e pela Turquia: mais uma outra farsa, porque toda vez que a imprensa dominante fala sobre a cessação da cooperação russa no acordo de cereais, a África é simbolizada como o Continente mais sofredor, pessoas em perigo de morte, suportando sofrimentos indizíveis por causa de uma Rússia criminosa. O que é mesmo criminoso é omitir dois fatos que alteram a narrativa como o sol altera a noite para o dia:
Ao abrigo do acordo de cereais, a África recebeu apenas 12,2% dos cereais exportados. Os restantes 87.8%? As Nações Unidas sabem, e todo mundo que tem acesso à informação sabe, que os maiores beneficiários do acordo de cereais são a Europa e a Ásia. Os maiores proprietários da terra que produz esses cereais na Ucrânia são a Monsanto e a Blackrock. Estas empresas serão ucranianas? Coloco esta pergunta a si e deixo-lhe o cuidado de responder.
Reflexões
O que o Ocidente e a Europa ainda não entenderam é que os africanos morrem no mar Mediterrâneo a caminho da Europa porque a riqueza africana que fez prosperar a Europa esta justamente a puxar, uma espécie de cordão umbilical invisível. Eles estão inconscientemente seguindo o destino das riquezas do seu continente. Ao organizar golpes de estado, expulsando organizações não governamentais estrangeiras e interrompendo a exploração desenfreada dos seus recursos minerais, todas estas medidas se resumem a uma mensagem dos quatro países da África Ocidental em questão: é hora de abandonar definitivamente a relação exploradora de agora em diante. Novos termos de trocas comerciais ou novas parcerias.
Mensagem aos partidos e aos políticos que monopolizam o poder até envelhecerem no poder: a juventude (em Moçambique, exemplificada pelo fenómeno Azagaia), tem estado a transmitir uma mensagem pacífica daquilo que no futuro pode vir a ser menos pacifico. O escravo que não tenta quebrar o seu jugo não merece piedade. Os jovens na Africa Ocidental estão liderando e os velhos que entendam isso o mais cedo possível. De outra forma, depois da África Ocidental (depois do Togo, Costa do Marfim e Senegal), o exemplo vai arrastar-se.
BRICS: O mundo espera ansiosamente pela cimeira dos BRICS. A questão de Putin é um assunto sem seguimento e, de qualquer forma, aqueles que desejam excluir a Rússia do BRICS, ou de qualquer outro fórum, estão tentando parar o vento com as mãos, da mesma forma que não se pode parar os EUA ou a China. Isso nem sonhando. Alem disso, vários países se candidataram para ingressar no BRICS. Se isso não é o projeto de um novo mundo, mais nenhum pode ser. Com certeza a utilização de outras moedas além do dólar no comercio internacional faz parte da agenda. Essencialmente a mensagem e que o mundo está cansado de ser sancionado pelo dólar e de repente percebemos: por que razão o dólar, e porque não o ouro? Por que razão devemos ficar prisioneiros de uma moeda imperial belicosa cuja fundação é apenas uma boa máquina impressora?
Posso garantir que em breve começará uma corrida ao ouro, se não começou ainda. Esta precipitação será uma debandada: quem será a vítima, se não tivermos previsão a tempo e com sabedoria? Será a entidade que tiver ouro: de novo, a África. Ainda vamos a tempo de assegurarmos que não seja derramado sangue africano por causa da corrida ao ouro que se avizinha. Se for derramado sangue, e suspeito que quando assumirmos a soberania de nossos recursos e soubermos negociar nosso futuro, aqueles que têm drones para fazer guerra a distância, na segurança de suas bases na Alemanha e a indústria de armas, tentarão nos subjugar às suas necessidades e humilhar os nossos líderes para voltarem ao seu cantinho histórico de mendicidade e subordinação. Pelo menos tentarão fazê-lo. A não ser que os países africanos se unam e se ajudem para reforçar a arte de negociação, afim de chegarmos a uma situação que satisfaça todas as partes destas relações internacionais.
Tempos difíceis se avizinham. Não nos surpreendamos com um eventual acidente aéreo com um VIP africano a bordo. Os dramas de Dag Hammarskjold e Samora Machel podem vir de volta.
Se tiver tempo não perca a oportunidade de ler e ouvir os anexos abaixo. Por favor.
A Saúde
Mensagens
(i) Assistência e ajuda estrangeira: o verdadeiro objetivo
Cortes na ajuda externa do Reino Unido: como consequência, milhares morrerão. Onde? Na África. Então, o que devemos fazer para evitar o corte da ajuda? Faça como eu digo! Olhe, as novas autoridades no Níger acabaram de dizer à UE: mantenha sua ninharia de ajuda. Por que? Porque o auxílio é ridículo, está condicionado ao discurso da democracia, uma verdadeira farsa, um Cavalo de Troia que esconde outros desígnios.
(ii) Nossos líderes africanos, ouçam por favor, senão os jovens vão atravessar a rua.
(iii) A Europa não é amiga da África, nem o e nenhum país em desenvolvimento, China, Rússia ou América. Todo o mundo está a tratar dos seus interesses nacionais. Por isso, escolhamos cuidadosamente o nosso companheiro de viagem. Chegou a hora de acordar e nos mobilizarmos para o sacrifício a fim de recuperar nossa independência. Como Africanos, respeitamos os mais velhos e a velha guarda africana permanece nossa porta-bandeiras. Mas respeito não é medo. Se o porta-bandeira for subornado com dinheiro doce de países poderosos, então nosso futuro continua comprometido. Não despreze a capacidade de revolta dos jovens. Contra quem? Como líder, essa responsabilidade de saber é sua, assim como é sua a capacidade de canalizar as frustrações de forma produtiva. Você tem o poder, a capacidade e autoridade de mobilizar a capacidade inovadora existente no país. Nenhum país se desenvolverá sem a indústria manufatureira. Produzir matérias-primas não nos levará a sítio nenhum.
A Verdadeira História do 'Subdesenvolvimento' em África - Professor Doutor Howard Nicholas
(iv) Françafrique: Aprendamos finalmente as nossas lições: ELF, Total, Bollore, Vale, Jindal, seja que empresa estrangeira for, eles negociam e puxam a brasa para a sua sardinha, subestimam nossos recursos e transferem os preços entre empresas do mesmo empório, antes mesmo de começarem a exportar as nossas matérias-primas. São eles que nos dizem quanto extraem dos nossos solos e das nossas águas e, portanto, são as próprias empresas que determinam os impostos a que nos temos direito. E nos continuamos sem entender patavina. Até quando?
UNIDADE, TRABALHO E VIGILÂNCIA, porque A LUTA CONTINUA.
Jose
Agosto de 2023
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