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ESTÁ CHEGANDO AÍ O MOMENTO DE ÁFRICA (em Inglês e Português)

Writer's picture: canhandulacanhandula

Updated: Aug 6, 2023

VERSÃO EM PORTUGUÊS


A posição da maior parte dos países de África nas Nações Unidas sobre a guerra Ucrânia-Rússia, igualmente exprimida aquando da visita de sete presidentes africanos a Moscou e Kiev, foi a indicação mais pública e mais publicitada de que a África não estava mais engolindo a conversa fiada do discurso de democracia, como dizem. A posição de Africa é ditada, em primeiro lugar, pelo conhecimento dos antecedentes históricos, e em segundo lugar, por uma sensação de que os nossos interesses nacionais não contam patavina para os mais poderosos; então porque e que a África deveria partilhar as preocupações deles? A África sempre foi um caso vencido. Os países poderosos pensam que, uma vez que fornecem ajuda financeira, podem decidir quais são os interesses de outros países. A primeira votação na ONU sobre a invasão da Ucrânia foi a primeira indicação de que estamos cansados. Muito em breve quando a nossa juventude tomar o poder, mostrará que podemos dispensar a ajuda como forma de nos alinhar com interesses estrangeiros.


o interesse deles não é necessariamente o nosso interesse. Da mesma forma, o inimigo deles não é necessariamente nosso inimigo. Apesar de a guerra deles afetar a todos, mesmo assim essa não é guerra nossa. Todos os esforços para torcer o braço aos países africanos, tais como as visitas estrangeiras este ano, da América, da França, da Alemanha, da União Europeia, da Rússia, e outros tantos industrializados, mostram o quão importante e a Africa neste jogo. Chegou a hora de fazermos as nossas posições trabalharem para nós, não para eles. Se ao trabalharem para nós também funcionam para eles, então é uma situação vantajosa para ambas as partes, sobre a qual não teríamos objeções.


Este ano, dois acontecimentos importantes terão grande influência sobre a África em tanto que continente, e espero que a nossa elite em Moçambique esteja a acompanhar de perto e a deduzir as implicações, porque Moçambique está representada em ambos: a Cimeira Rússia-África de São Petersburgo e a Cimeira dos BRICS em Joanesburgo. Esses acontecimentos são também de interesse global.


Participação em São Petersburgo: O que me fica na memoria da Cimeira de São Petersburgo foi o esforço gigantesco e a intimidação imposta aos países africanos para não participarem no evento na Rússia. Mesmo assim, estiveram ainda presentes cerca de 15 chefes de Estado, num total de 45 países africanos. A imprensa mundial dominante quis fazer-nos acreditar que esse número representou um fracasso uma vez que a última cimeira deste tipo reuniu três vezes mais presidentes. A imprensa ignorou tendenciosamente o facto de, embora não a nível presidencial, mais de 40 países estiveram presentes. E a imprensa talvez não tenha presente na sua memoria seletiva que a nova resolução dos Presidentes Africanos e de enviar uma representação mais pequena sempre que houver uma Cimeira convidando todos os Presidentes: alguns Presidentes e os órgãos Continentais serão doravante suficientes para uma representação adequada do Continente. Cito aqui o Presidente Ruto: não é produtivo nem respeitoso que todos os 45 presidentes africanos sejam entulhados em autocarros para ir participar cimeira com um cavalheiro que representa um país poderoso. O máximo que conseguimos são dois minutos de intervenção e uma foto de grupo, nada de substancial. Acabamos por ser constrangidos a ouvir a agenda deles. Assim, o melhor para a África é ser representada por dirigentes de instituições continentais, chefiadas pelo presidente da União Africana, sendo ele próprio um Chefe de Estado.


São Petersburgo para mim foi uma oportunidade para dois discursos e uma mensagem de importância capital.

Os discursos:

(i) O Presidente do Burkina Faso, Ibrahim Traore (anexo): este foi o discurso mais importante, transmitindo o que a juventude africana vem dizendo já faz algum tempo: à França, à Europa e ao mundo, principalmente, aos velhos líderes da sua própria África. Depois de começar o seu discurso desculpando-se pela franqueza com que desejava se dirigir aos seus colegas mais velhos, deixou sobre a mesa, e de forma contundente, as seguintes mensagens. É minha opinião em tanto que Moçambicano e Africano que os nossos líderes africanos ouçam, se não quisermos derramar sangue africano na defesa de interesses estrangeiros:

  • Uma vez que estamos aqui para falar sobre o futuro do nosso continente, minha geração está a fazer-me perguntas que não posso responder: Com todos os recursos naturais que o continente africano possui: terra fértil, água, sol, minerais, etc., porque e que continuamos assim tao pobres que nos vemos na necessidade de viajar pelo mundo inteiro a mendigar?

  • Porque será que a nossa juventude está a tentar atravessar e morrendo no oceano para ir para a Europa para escapar a pobreza?

  • Da próxima vez, em vez de atravessar para a Europa, os jovens irão atravessar a rua para o palácio presidencial para procurar o seu pequeno sustento.

  • O escravo que não se insurge contra a opressão não merece compaixão. E se não temos pena de nós próprios, não peçamos aos outros que se comiserem connosco.

  • É uma pena ver presidentes africanos que não contribuem nada para o seu povo faminto, mas passam o tempo a adotar a linguagem dos imperialistas e nos acusam de sermos milícias. De que direitos humanos estão eles falando? Chegou o tempo de deixarmos de dançar cada vez que os imperialistas cantam.

  • Da próxima vez que nos encontrarmos aqui em cimeira, devemos estar todos a caminho da autossuficiência alimentar, para falarmos de tecnologia, não de alimentação.

(ii) Claro que a velha guarda não deixaria passar este desaforo e a resposta nao se fez esperar: o presidente do Senegal tomou a palavra para denunciar o discurso do seu irmão mais novo e inexperiente. (ele não disse a palavra inexperiente, mas o discurso deu isso a entender). O que compreendi naquela resposta foi uma França que estava falando e se defendendo. A velha guarda não entendeu que o movimento jovem é agora imparável. quem não entendeu o presidente do Burkina Faso, ficou surpreso quando no dia seguinte houve um golpe no Níger e os militares assumiram o poder. O presidente do Níger, Bazoum, foi destituído pelos militares. Este acontecimento dramático precipitou várias coisas, entre as quais duas são importantes:

  • Sob pressão da América e da França, a CEDEAO, denunciou o golpe e exigiu a reposição do Presidente Bazoum, (foi meu vizinho e Ministro dos Negócios Estrangeiros em Niamey quando trabalhei lá), impôs sanções e fechou as fronteiras, e disse que se fosse necessário, usariam da força para trazer de novo Bazoum ao poder.

  • Além do apoio ao novo líder pela maioria esmagadora do povo do Níger (Presidente esse que suspendeu de imediato a exportação do urânio e ouro do país e exigiu a retirada dos contingentes militares da França e da América dentro de três dias), quatro países da zona declararam a sua solidariedade e apoio para o novo governo do Níger e declararam que se posicionariam do lado do Níger caso a CEDEAO decidisse intervir militarmente: Guiné, Mali, Burkina Faso e Argélia.

O que está em jogo: as exportações de urânio e de ouro para a França, e agora que a Rússia não exporta mais urânio para o resto da Europa e para os Estados Unidos por causa das sanções, os Estados Unidos querem também meter a mão no bolo. Em São Petersburgo, a África falou de forma inequívoca: precisamos de nos industrializar e de deixar de ser exportadores de areia e poeira que escondem metais preciosos. O urânio que o Níger exporta para a Europa é responsável por 25% da eletricidade na França e 20% na Europa. O próprio Níger recebe taxas de exploração derrisórias de US$ 130 milhões por ano pelo urânio. Vivi e trabalhei no Níger e, além de Niamey, outras cidades têm as suas sagas de eletricidade. Porque motivo?


Na cimeira de São Petersburgo, a Rússia novamente perdoou dívidas no valor de 23 bilhões de dólares a vários países africanos. Isso contrasta com a tradição ocidental de responder ao peso da dívida da África: reescalonamento, ou seja, transferindo o peso de um ombro para outro sem por isso o reduzir, com a cumplicidade das Instituições de Bretton Woods (BM, FMI). Endividados, ficamos cativos até que um dia alguém conclua que não podemos pagar e por isso nos forcem a ceder o nosso património nacional.


Na verdade, o apoio que foi dado à Ucrânia pelo FMI e outros desde o princípio da guerra, não vai ser de graça; de uma forma ou de outra esse empréstimo será reembolsado pelo povo Ucraniano logo que a guerra acabar. E porque e que um país em guerra merece tanto dinheiro quando Moçambique mereceu apenas migalhas de comiseração quando estava em guerra civil?


O outro lado podre da moeda: o grande alarido sobre o acordo de cereais negociado pela ONU e pela Turquia: mais uma outra farsa, porque toda vez que a imprensa dominante fala sobre a cessação da cooperação russa no acordo de cereais, a África é simbolizada como o Continente mais sofredor, pessoas em perigo de morte, suportando sofrimentos indizíveis por causa de uma Rússia criminosa. O que é mesmo criminoso é omitir dois fatos que alteram a narrativa como o sol altera a noite para o dia:

Ao abrigo do acordo de cereais, a África recebeu apenas 12,2% dos cereais exportados. Os restantes 87.8%? As Nações Unidas sabem, e todo mundo que tem acesso à informação sabe, que os maiores beneficiários do acordo de cereais são a Europa e a Ásia. Os maiores proprietários da terra que produz esses cereais na Ucrânia são a Monsanto e a Blackrock. Estas empresas serão ucranianas? Coloco esta pergunta a si e deixo-lhe o cuidado de responder.


Reflexões

O que o Ocidente e a Europa ainda não entenderam é que os africanos morrem no mar Mediterrâneo a caminho da Europa porque a riqueza africana que fez prosperar a Europa esta justamente a puxar, uma espécie de cordão umbilical invisível. Eles estão inconscientemente seguindo o destino das riquezas do seu continente. Ao organizar golpes de estado, expulsando organizações não governamentais estrangeiras e interrompendo a exploração desenfreada dos seus recursos minerais, todas estas medidas se resumem a uma mensagem dos quatro países da África Ocidental em questão: é hora de abandonar definitivamente a relação exploradora de agora em diante. Novos termos de trocas comerciais ou novas parcerias.


Mensagem aos partidos e aos políticos que monopolizam o poder até envelhecerem no poder: a juventude (em Moçambique, exemplificada pelo fenómeno Azagaia), tem estado a transmitir uma mensagem pacífica daquilo que no futuro pode vir a ser menos pacifico. O escravo que não tenta quebrar o seu jugo não merece piedade. Os jovens na Africa Ocidental estão liderando e os velhos que entendam isso o mais cedo possível. De outra forma, depois da África Ocidental (depois do Togo, Costa do Marfim e Senegal), o exemplo vai arrastar-se.


BRICS: O mundo espera ansiosamente pela cimeira dos BRICS. A questão de Putin é um assunto sem seguimento e, de qualquer forma, aqueles que desejam excluir a Rússia do BRICS, ou de qualquer outro fórum, estão tentando parar o vento com as mãos, da mesma forma que não se pode parar os EUA ou a China. Isso nem sonhando. Alem disso, vários países se candidataram para ingressar no BRICS. Se isso não é o projeto de um novo mundo, mais nenhum pode ser. Com certeza a utilização de outras moedas além do dólar no comercio internacional faz parte da agenda. Essencialmente a mensagem e que o mundo está cansado de ser sancionado pelo dólar e de repente percebemos: por que razão o dólar, e porque não o ouro? Por que razão devemos ficar prisioneiros de uma moeda imperial belicosa cuja fundação é apenas uma boa máquina impressora?


Posso garantir que em breve começará uma corrida ao ouro, se não começou ainda. Esta precipitação será uma debandada: quem será a vítima, se não tivermos previsão a tempo e com sabedoria? Será a entidade que tiver ouro: de novo, a África. Ainda vamos a tempo de assegurarmos que não seja derramado sangue africano por causa da corrida ao ouro que se avizinha. Se for derramado sangue, e suspeito que quando assumirmos a soberania de nossos recursos e soubermos negociar nosso futuro, aqueles que têm drones para fazer guerra a distância, na segurança de suas bases na Alemanha e a indústria de armas, tentarão nos subjugar às suas necessidades e humilhar os nossos líderes para voltarem ao seu cantinho histórico de mendicidade e subordinação. Pelo menos tentarão fazê-lo. A não ser que os países africanos se unam e se ajudem para reforçar a arte de negociação, afim de chegarmos a uma situação que satisfaça todas as partes destas relações internacionais.


Tempos difíceis se avizinham. Não nos surpreendamos com um eventual acidente aéreo com um VIP africano a bordo. Os dramas de Dag Hammarskjold e Samora Machel podem vir de volta.


Se tiver tempo não perca a oportunidade de ler e ouvir os anexos abaixo. Por favor.

A Saúde


Mensagens

(i) Assistência e ajuda estrangeira: o verdadeiro objetivo

Cortes na ajuda externa do Reino Unido: como consequência, milhares morrerão. Onde? Na África. Então, o que devemos fazer para evitar o corte da ajuda? Faça como eu digo! Olhe, as novas autoridades no Níger acabaram de dizer à UE: mantenha sua ninharia de ajuda. Por que? Porque o auxílio é ridículo, está condicionado ao discurso da democracia, uma verdadeira farsa, um Cavalo de Troia que esconde outros desígnios.


(ii) Nossos líderes africanos, ouçam por favor, senão os jovens vão atravessar a rua.



(iii) A Europa não é amiga da África, nem o e nenhum país em desenvolvimento, China, Rússia ou América. Todo o mundo está a tratar dos seus interesses nacionais. Por isso, escolhamos cuidadosamente o nosso companheiro de viagem. Chegou a hora de acordar e nos mobilizarmos para o sacrifício a fim de recuperar nossa independência. Como Africanos, respeitamos os mais velhos e a velha guarda africana permanece nossa porta-bandeiras. Mas respeito não é medo. Se o porta-bandeira for subornado com dinheiro doce de países poderosos, então nosso futuro continua comprometido. Não despreze a capacidade de revolta dos jovens. Contra quem? Como líder, essa responsabilidade de saber é sua, assim como é sua a capacidade de canalizar as frustrações de forma produtiva. Você tem o poder, a capacidade e autoridade de mobilizar a capacidade inovadora existente no país. Nenhum país se desenvolverá sem a indústria manufatureira. Produzir matérias-primas não nos levará a sítio nenhum.



(iv) Françafrique: Aprendamos finalmente as nossas lições: ELF, Total, Bollore, Vale, Jindal, seja que empresa estrangeira for, eles negociam e puxam a brasa para a sua sardinha, subestimam nossos recursos e transferem os preços entre empresas do mesmo empório, antes mesmo de começarem a exportar as nossas matérias-primas. São eles que nos dizem quanto extraem dos nossos solos e das nossas águas e, portanto, são as próprias empresas que determinam os impostos a que nos temos direito. E nos continuamos sem entender patavina. Até quando?



UNIDADE, TRABALHO E VIGILÂNCIA, porque A LUTA CONTINUA.


Jose

Agosto de 2023




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