1. Dois Pontos Prévios (na boa tradição moçambicana)
Depois de tantos episódios na LAM, fica hoje claro que os nossos peritos em economia repetidas vezes nos induzem em decisões não corretas nem duradoiras. Existe muita experimentação e pouco trabalho de pesquisa e referenciação num ramo de negócios que requer conhecimento profundo para gerir um tal negócio.
O nosso país está fortemente desarticulado e isso deve-nos preocupar a todos os níveis, incluindo nós os não ativos que estamos no armazém da reforma.
Somos obrigados a dizer aqui: Faz muito tempo que a impunidade se instalou no nosso país. Por isso, entre outras questões, o rigor profissional está-se desvalorizando. Antes de embarcarmos na LAM, vejamos ora:
a. O livro escolar, refém da mediocridade oportunista dirigente
Tem havido várias tentativas de nos impor livros escolares cheios de erros científicos e até ortográficos. Temos assistido ao reconhecimento dos erros, mas não se tomam medidas contra as pessoas que cometeram, autorizaram ou deixaram passar tais crimes. Ninguém foi punido, ninguém assumiu a responsabilidade: pessoas que induzem todo um país, toda uma geração de estudantes, todo um futuro, numa mediocridade que não nos permite competir nem regionalmente, e muito menos internacionalmente (muitas vezes nem sequer nacionalmente) ficam assim impunes e alegres e se vão enriquecendo na promoção da ignorância da nossa juventude.
E a vida continua pacata. Até ao próximo erro. Que não tardou nem se fez de rogado para aparecer: alguém achou-se chico esperto e introduziu menção de Azagaia num livro de ensino de Português. A que propósito linguístico?
Passamos a ter o direito de indagar:
A produção de um livro escolar não é analisada por uma comissão acadêmica devidamente acreditada?
A emissão de um livro não requer autorização previa?
Quem, grupo de pessoas ou instituições, estão habilitadas a produzir conteúdo de livros, e quem autoriza a sua classificação escolar?
Quem paga pela sua produção?
Qual é o protocolo de autorizações para lançamento e quem paga pela retirada das prateleiras bibliográficas?
Quem está na última linha de supervisão e autorização da produção, custosa, e distribuição, também custosa, de livros de ensino?
b. O negócio pouco claro dos combustíveis líquidos
Está circulando uma notícia sobre uma empresa que foi adjudicada o controle de qualidade de combustível[1], negócio que beneficia de mais de 20 meticais por cada litro. Considerando o tamanho do mercado, esperamos em primeiríssimo lugar que este negócio tenha sido adjudicado a várias empresas. A informação em circulação sugere que estejamos perante
Uma empresa cuja qualificação técnica em análise química não foi provada.
Talvez até nem tenha um laboratório de análise química,
e é mesmo possível que não tenha sido obrigada a apresentar prova de existência de engenheiros químicos especializados na matéria, como precondição para competir e esperar ganhar o mercado,
se algum concurso foi na realidade lançado.
Apesar de esta questão ter sido levantada do ponto de vista da empresa beneficiária, a questão devia ter sido levantada objetivamente, de forma impessoal, afim de obter adesão geral. Focalizando-se
na competitividade do processo,
nas qualificações técnicas da empresa beneficiada,
e no peso econômico sobre o consumidor[2].
Nós teríamos levantado esta questão de forma impessoal, primeiro para provar, neste contexto político carregado de emoções, que não se trata de vitimizar o indivíduo, mas que se o indivíduo acaba sendo vitimizado, seria por permissão dos governantes, mas num conjunto de outras questões sobre o combustível: qual é a estrutura financeira do litro de combustível que me custa 96 meticais no meu carro em Tete? Levantar a questão do peso desta estrutura preçária no consumidor. Talvez a margem de lucro deva ser reduzida à metade, e ainda assim o controlador ganharia muito dinheiro, mas ao mesmo tempo se aliviaria o peso no povo consumidor.
Chegaríamos a mesma conclusão? Talvez, mas em vez de atacarmos o indivíduo beneficiário deste contrato, devemos interrogar o estado e atacar o processo. Se ao atacarmos o estado, a vara chega ao indivíduo beneficiário por causa da governação que conduziu o estado a estas decisões, não seria o nosso intento, mas que justiça se faça então e sofra quem beneficiou indevidamente. Talvez os nossos jornalistas investigativos devam trabalhar melhor para que a punição não seja vitimização.
A estrutura de custos do litro de combustível que nos foi dada a conhecer é a seguinte:
· Custos de base, integrando
o Preço de base
o Custo de importação
o Ajuste
· Margem dos operadores, incluindo
o Para o Distribuidor
o Para o Retalhista
o Para o Armazenista
· Custo de estabilização
· Diferencial de transporte (evaporações, etc.?)
· Direitos aduaneiros
· IVA
· Taxa sobre o combustível
De onde vem, e que base legal tem, fora deste contexto e desta lista, a taxa de controle de qualidade de mais 20 meticais/litro que se veio impor ao bolso do moçambicano? Não devia este incidir sobre o importador ou o armazenista, dois pontos de entrada e saída que podem estar expostos à poluição do combustível, se ele não vier já poluído? O controle de qualidade vai mesmo assegurar que o combustível poluído não entre no mercado, ou e só para “o boy Inglês ver, o Camões Português poetizar e o chico esperto Moçambicano tirar proveito”?
A interposição de mais um intermediário ou o desdobramento de processos para criar espaço de exploração pode muito bem ser evitados ao exigir que as estruturas existentes que já cobram a sua quota parte contribuam para assegurar a qualidade: em particular os beneficiários das taxas e o armazenista.
A existência ou criação de mais um intermediário sugere um empreendimento parasita, tanto mais que quem ler a Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2025-2044, notará (pagina 98) que ele estabelece para os próximos 20 anos uma meta de redução do combustível alterado em circulação de 40%, (taxa já alta para os nossos tempos), para 20.4%. Em 20 anos ainda 20.4% do combustível à venda seria alterado! Porque não para inferior a 5%? Continuamos a favorecer o arrebentamento dos nossos motores e a sobreviver de viaturas de segunda mão!
Precisamos da sujidade para enriquecer um grupo através de situações que perpetuem a necessidade do controle de qualidade, que se devia exercer na fonte, antes de atingir a fronteira.
2. As Linhas Aéreas de Moçambique
Vamos agora ao bife, para focalizar a nossa atenção sobre as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).
Foi indicado nos meios de comunicação social, primeiro que a gestão da LAM fora cedida à Modern Ark[3] de Abril 2023 a Setembro de 2024. Ao mesmo tempo, dizia-se que a Modern Ark não era perita em aviação, que foram encontradas contas da LAM em lugares estranhos como o Malawi, e toda uma série preocupante de pedaços de informação que o público nunca compreendeu se seriam verdadeiras ou especulação. Essencialmente sugerindo sistematicamente que a gestão da empresa do estado estava doentia.
A Modern Ark devia trazer saúde e receitas positivas de volta a LAM. Ela veio, fez o trabalho que fez e foi-se embora. Depois alguém nos disse que a LAM tinha alugado uma aeronave cargueiro, e que por não ter obtido da IATA o aval técnico e autorização para operar, o pássaro acabou sendo devolvido ao seu dono sem ter voado uma só vez durante os cerca de nove meses que ficou conosco. Com os devidos pagamentos de uma aeronave alugada.
Depois veio a notícia de viajantes em Lisboa que ficaram encalhados no aeroporto por mais de vinte horas porque a LAM não tinha dinheiro para pagar o combustível e voar de volta.
Faz agora um pouco mais de duas semanas que somos informados que a LAM pôs agora a disposição mais de 90% das suas ações às empresas estatais HCB, EMOSE e CFM. Um concurso público acaba de ser publicado.
E agora, a LAM se dá conta, e nos informa através do seu PCA, de que as rotas de Lisboa, Harare e Lusaka, não são rentáveis[4].
Daí uma pergunta legítima: Qual é mesmo a estratégia? Os responsáveis da empresa dizem que a sua estratégia se alinha com a estratégia dos 100 dias do governo! Uma empresa comercial de peso que precede vários governos anteriores e que agora se limita a uma estratégia de curto prazo de um governo (cem dias!) dá provas de não ter autonomia de inteligência econômica ou operacional, e de estar refém do poder político, sem imaginação (ou liberdade de espaço) para mais. É na mistura do econômico e do alinhamento político que o negócio não pode voar por muito tempo. Naturalmente e independentemente da intenção, tem uma pedra pesada amarrada ao pescoço, pedra essa cheia de interesses que um dia vão fazer a aeronave cair.
Se temos economistas que sabem do que falam e que compreendem da gestão de uma empresa do estado, é oportuno que nos interroguemos: num ramo tão complexo, tão sensível, tão técnico e tão volátil como a aviação civil, a nossa linha terá uma estratégia de desenvolvimento comparável a outros operadores do ramo que tem estado a registar sucesso (Ethiopian, Emirates, KLM, QATAR, etc)? Não pode sequer aprender de outros?
Uma questão genuína porque se trata de uma empresa que nos interessa a todos como contribuintes. Porque na realidade, qualquer injeção de dinheiro nestas empresas, diretamente do orçamento do estado ou agora por via da HCB e outras empresas que tem a capacidade (financeira) para participar, esse dinheiro é sempre a contribuição do povo, através dos impostos e das taxas de serviço que pagamos ao consumir os produtos que estas empresas nos vendem.
Vista a questão dessa forma, essa consciência obrigaria aos nossos economistas a ser mais rigorosos nas suas análises e estratégias, estudiosos nas suas declarações e profissionais, não políticos, nas propostas de resgate de uma empresa que consistentemente tem vindo a perder dinheiro. Ainda ficamos por ser informados: nas últimas décadas, qual foi o ano em que a LAM teve um resultado financeiro positivo?
Vender uma empresa sempre deficitária a empresas nacionais de boa saúde financeira, mas que não percebem patavina de aviação como a EMOSE, a CFM e a HCB, leva-nos a perguntar: essa venda está ligada a alguma estratégia que estas empresas (HCB, CFM e EMOSE), tem para propor aos gestores futuros da LAM uma vez por elas adquirida? Que conhecimentos técnicos ou do mercado aeronáutico estas empresas vão oferecer aos trabalhadores desorientados da LAM que estão à espera de uma direção iluminada? Ou seria apenas uma parasitacao que constitui peso para empresas financeiramente sãs, para daqui a 3 anos, se tanto, quererem divorciar-se dela?
O trabalhador da LAM também quer sair desta incerteza e deste marasmo porque investiu a sua vida na empresa e tem uma aposentação a garantir para si e sua família. O estado deve lembrar-se que a velhice do trabalhador é tão importante para quem dedicou a sua vida a uma empresa cujos destinos ele não tem capacidade de influenciar, mas que afecta o seu bem-estar na reforma, incluindo nos filhos e netos que continuarão a depender dele para poder estudar, receber assistência medica e ter uma vida minimamente dignificada. Um pai, uma mãe que se aposenta e que o trabalho dignificou.
Em que circunstancias a Modern Ark deixou a empresa, e porque não continuou os seus esforços, se os objetivos que levaram à sua contratação não foram atingidos? Ou foram e de repente, o pássaro caiu de novo?
A peripécia da LAM está muito mal contada e em pedaços incongruentes que não nos deixam vislumbrar a situação real da empresa pública. Se é uma linha aérea de Moçambique, é nossa e nós continuamos interessados, como moçambicanos.
O novo PCA informa-nos também que vai deixar cair as rotas que não rendem, Lusaka, Harare e Lisboa. Boa iniciativa. Ele diz também que a empresa se vai concentrar nas rotas nacionais. Boa afirmação. Entretanto, esta estratégia deve estar alinhada com o tipo de equipamento que é necessário para operações domésticas. Um avião a jato é muito caro e exige manutenção complexa.
Para rotas domésticas, porque não procurar aviões à hélice?
Porque não abrir o mercado doméstico para oferecer o espaço aéreo à exploração de companhias nacionais privadas que poderiam fazê-lo? Porque é que tem que ser uma empresa de estado, quando este estado nunca foi capaz de a tornar rentável?
Quanto às rotas internacionais, porque não celebrar acordos de exploração conjunta de rotas, até o dia em que a nação possa se erguer e ter uma exploração internacional e regional autônoma rentável?
Mais estrategicamente, quem tem estado a fazer o estudo de mercado antes de se decidirem operações que no fim de contas acabam por nos impor dívidas acumuladas?
Alguém nos está entretendo com meias verdades, meios estudos e decisões baseadas nestas meias medidas. Estaremos a gerir uma empresa complexa através de decisões de consenso e prestígio, sem fundamento econômico? Em nosso nome, moçambicanos, afastem da LAM o pensamento, a gestão e o apadrinhamento político.

Canhandula
Tete, Fevereiro de 2025
[1] https://www.mef.gov.mz/index.php/publicacoes/estrategias/2184-estrategia-nacional-de-desenvolvimento-2025-2044/file
[2] https://www.cipmoz.org/wp-content/uploads/2022/07/O-que-esconde-a-estrutura-de-formac%CC%A7a%CC%83o-do-prec%CC%A7o-de-combusti%CC%81veis.pdf
[4] LAM Suspende Rota Maputo-Lisboa Após Prejuízo de 21 Milhões de Dólares. Vai Focar-se no Mercado Doméstico e Regional • Diário Económico
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