O momento político em Moçambique depois das eleições de Outubro me leva a rever a minha literatura para de novo ressaltar certos aspectos e certas realidades. Esta é a minha contribuição para este combate duma juventude ignorada, como reformado que não pode mais se juntar ao jovem e ir à rua manifestar. O escravo que não tenta se revoltar, não merece que tenhamos pena dele, diz a sabedoria Africana (Steve Biko). Pois a minha revolta não pode ser física, mas pode e é esta contribuição, a análise intelectual de situações que nos devem interpelar a todos como cidadãos. A ruptura desastrosa do contrato entre o povo soberano e o estado, por causa do padrinho que se interpõe: o partido!
O artigo
É para mim a primeira vez que, em mais de 30 anos, estou em casa e observo a evolução política rumo às eleições presidenciais de Outubro deste ano.
Se a minha decepção é apenas um cheirinho daquilo que o Moçambicano tem vindo a viver há mais tempo do que eu, então estou aprendendo a reduzir as minhas expectativas. Porque tive o privilégio de viver à distância e de apenas ler o que se passava no meu país. Uma distância confortável que decidi eliminar. Pelo que vivi em pouco tempo, devo reconhecer que estamos perante um desastre humano nacional. E quem detém o poder deve estar informado desta realidade. Como o poder se informa objetivamente, não sei nem é minha especialidade.
1. Mas acho que algo está errado: o comportamento coletivo dos Partidos.
O voto não é necessariamente sinal de democracia. É também uma maneira de auto-legitimação através da decepção. Depende de como este voto se prepara e se administra.
Esta é a minha primeira observação como pessoa de inteligência média – e todo o Moçambicano deve ser tratado como inteligente que é. Mas a ausência do diálogo político, que só tem lugar dentro dos Partidose entre os seus membros, demonstra a ausência do diálogo Partidos/povo. Preferem um diálogo interno fácil com quem está financiado, beneficia e depende do Partido, evitando a abordagem necessária das questões difíceis que o povo está a viver, que são denunciadas através das greves repetidas dos Professores, dos profissionais da Saúde, as manifestações contra o custo das comunicações etc. Incluindo a manifestação silenciosa da esmagadora maioria, que se traduz nalguns casos numa produtividade medíocre que ninguém mede (corpo presente). Não existe diálogo entre os Partidos e o povo, o qual é tido como uma massa já adquirida e que será arregimentada para a votação em tempo oportuno.
E dentro dos partidos, as ideias que diferem das do chefe, são violentamente suprimidas e rejeitadas.
Não temos nenhuma informação sobre propostas de novos programas partidários de ataque aos grandes problemas que grassam a nação: na saúde, na educação, no défice de infraestruturas públicas (pontes, estradas, novos caminhos de ferro), na capacitação das nossas forças armadas em Cabo Delgado, no combate ao crime, combate à circulação da droga e aos raptos, na valorização dos nossos recursos minerais e naturais, na segurança alimentar, no controle da dívida externa e melhoramento da soberania orçamental, no apoio não partidário ao pequeno agricultor, na industrialização nacional, na transformação da banca ao serviço do povo e não do capital internacional, etc e por aí adiante.
Eis a razão porque não tinham pressa em apresentar os candidatos presidenciais: primeiro não existe programas de que se possa falar, segundo, o povo de qualquer forma vai seguir instruções.
2. Acho que algo está errado nos cálculos:
Não são os membros dos Partidos (incluindo as suas organizações sociais) que determinam a vitória nas eleições. São os “apenas simpatizantes” cuja simpatia pode mudar de direção, dependendo do que um Partido prometa oferecer como programa. Uma simpatia que deve ser cultivada, regada e sustentada pelo diálogo (diferente do monólogo todo-sábio dos comícios).
Ora, um dos Partidos foi constrangido a discutir a sucessão por membros mais seniores, veteranos, corajosos e vigilantes.
Outro Partido foi constrangido pela justiça a convocar em assembleia os seus órgãos internos, a Conferência Nacional e o Congresso. Ato contínuo, enquanto estas instâncias se reuniram por força do tribunal, encontraram formas de excluir sistematicamente as energias renovadoras que provocaram tais conferencias e congressos.
Depois de eleito o candidato da Frelimo, um indivíduo da Renamo veio ao público atrever-se a desqualificar o candidato da Frelimo: “esse não é jovem! Ele tem mais de 40 anos”. O mesmo idiota que argumenta que Venâncio Mondlane ainda não fez 15 anos de militância no Partido. Quando fizer os tais 15 anos, não será mais jovem, essa é a implicação sinistra e cínica. A mesma pessoa disse que a Renamo fez a sua prestação estatutária de contas, que só faltavam os números. Que lógica ou que aritmética orienta uma prestação de contas sem números? Como se apresenta um orçamento, uma despesa sem números? Será isto um indiciamento da qualidade da nossa educação?
3. Fica claro para nós: algo está errado, muito errado.
Apresentaram-nos um conceito inventado e que se chama “o segundo Partido mais votado”, seguido das regalias que por legislação assistem a este tal Partido e o seu gabinete Presidencial. Logo compreendi a prisão mental coletiva à chave tripla:
As regalias financeiras que querem defender com unhas e dentes, e, portanto, o afinco para ficarem onde estão: na oposição eterna. Não vencer, mas continuar a viver no bem bom com financiamento que não custa nada a ninguém, nem seria sequer necessário contar com a contribuição dos membros para o Partido poder funcionar. Imaginação paraplégica.
Interesse do Partido no poder em manter uma oposição debilitada a comer da sua mão, portanto frágil e focalizada no privilégio dos indivíduos que fazem número na Assembleia da República. Tão minoritária esta oposição, que só serve para legitimar a maioria esmagadora; não conta nos atos de adoção de legislação. E vai ficar ainda mais pequena.
Paralisia política que leva a uma cegueira e obediência coletiva de medo, por parte de uma oposição que se arvora em defensora da democracia – mais uma vez aquela palavra que todos reclamam para si, afim de reforçar uma auto-legitimação cada vez mais duvidosa, que não significa nada para o povo. O que é no fim de contas a democracia se não for
o acesso de todos aos cuidados de saúde primários e ao medicamento básico,
comida na mesa,
crianças bem instruídas,
estradas boas e transitáveis, com menos portagens, porque elas não contribuem de forma nenhuma ao melhoramento das estradas, razão primeira de tais dispositivos na via pública.
Paz e fim do sofrimento em Cabo Delgado. Etc?
Isso sim é que seria o princípio da democracia.
Enquanto todo o debate político se concentra em Maputo, a guerra em Cabo Delgado intensifica-se. Curiosa e justamente no ano eleitoral. As deslocações forçadas de populações vítimas da guerra estão em contradição aberta com uma União Europeia que desde 2021 mantém uma missão militar de treinamento, treinamento este que acaba de se prolongar até 2026. Não treinam treinadores desde 2021? Precisam ficar até 2026? Que treino se prolonga assim, até um dia virmos a compreender que não querem sair do nosso território?
Outro país Africano de apenas 26.300Km2 e com uma população de apenas 14,5 milhões vem ajudar um país de 799.400Km2 com uma população de 34.7 milhões, e com uma longa experiência de guerra colonial e uma experiência de guerra civil prolongada! Escapa-nos a lógica. Onde estão esses experimentados todos?
4. Algo está errado nos cálculos, na estratégia futurista.
Se futurista é essa estratégia, que existe mesmo: investir em forças estrangeiras ou equipar e capacitar as forças nacionais? Muito importante ainda, a forma como se sentem as nossas forças armadas, cercadas de forças estrangeiras com diferentes centros de comando tem muito a ver com a prontidão combativa, que é também um estado de espírito, não só de corpo e de equipamento. No fim de contas, são as nossas forças que vão permanecer.
Agora entendo: que nos discursos públicos desqualifiquem o jovem Chapo da Frelimo como não jovem, estão claramente a intentar ao mesmo tempo a desqualificação de Mondlane a juzante. A Renamo não tem medo da Frelimo e muito menos a Frelimo teria medo de uma Renamo dependente. Todos tem medo da juventude. Esse medo se sentiu e se viu graficamente no anúncio da vitoria de Daniel Chapo e nas movimentações oficiais que se seguiram. Medo expresso na exclusão diabólica e diabolizante não só de Venâncio Mondlane mas também de outros congressistas da Renamo activamente impedidos activamente e à socapa de participar no Congresso forçado. Medo finalmente expresso no assassinato do jovem Azagaia.
5. Algo está errado. E é o jovem que vai corrigir.
Todo o velho deveria aceitar este facto inevitável afim de evitar mais desgastes e danos à nação. Não se combata uma força juvenil imparável, um Tsunami que representa 85% da população.
Nós outros devíamos fazer prova de maturidade, humildade, sobriedade, sabedoria, menos ganância, mais acompanhamento e mais nacionalismo para salvar a nação. A exclusão política passou a ser uma caraterística dos Partidos, não de um só. É essa exclusão que a juventude vai corrigir. Aprendamos do Mali, do Níger e de Burkina Faso.
Jose
Tete, 22 de Maio de 2024
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