O momento político em Moçambique depois das eleições de Outubro me leva a rever a minha literatura para de novo ressaltar certos aspectos e certas realidades. Esta é a minha contribuição para este combate duma juventude ignorada, como reformado que não pode mais se juntar ao jovem e ir à rua manifestar. O escravo que não tenta se revoltar, não merece que tenhamos pena dele, diz a sabedoria Africana (Steve Biko). Pois a minha revolta não pode ser física, mas pode e é esta contribuição, a análise intelectual de situações que nos devem interpelar a todos como cidadãos. A ruptura desastrosa do contrato entre o povo soberano e o estado, por causa do padrinho que se interpõe: o partido!
O artigo
Nascido em 1956 numa aldeia recôndita da Angonia em Tete, fiz o ensino primário, secundário, médio e superior. Portanto quando me acho ignorante, refiro-me ao conhecimento profundo da situação política, econômica e social do meu país, não a minha própria experiencia de vida, que até vale alguns tratados. Tendo nascido naquele ano, significa que fui considerado cidadão português até à independência. Até fui portador de um bilhete de identidade português.
E chegou a independência. Antes disso tive(mos) uma experiência colonial que nos levou à contestação e ao conflito com o nosso Bispo Dom Feliz Nilza Ribeiro, pelos acontecimentos de Tete, incluindo os massacres de Wiriamu e outros. Mas a independência se aproximava, um tal Alberto Chissano, então nomeado Primeiro Ministro, viajou pelo país a informar-nos da política do Partido Frelimo e da preparação para a independência, a acalmar os espíritos exaltados de alguns Portugueses, muitos dos quais foram permitidos levar apenas 20Kg de bagagem para deixar o país em 24 horas por um tal Ministro do Interior. Amargurados, encheram as ruas e os cafés da África do Sul e de Portugal. Depois passou Samora Machel, que nem um furacão do Rovuma ao Maputo, pelo mesmo caminho que Chissano tinha feito. E proclamou a Independência no famoso estádio da Machava.
Todos os Moçambicanos choraram de alegria e de tanta força e orgulho nacional que Samora irradiava e transmitia. De ofensiva em ofensiva, levou-nos ao Chokwe para enfatizar a importância da agricultura, foi pelas fábricas e Ministérios falando de uma ofensiva organizacional e produtiva. Com tanta vitalidade, muito poucos acreditaram naquela morte trágica. Mais tarde viemos a saber que os seus filhos, se até tiverem uma casa condigna, não foi pelo pai. Não se empresariaram pelo pai, devem ter-se sentado a estudar a sério algures antes de se aventurarem!
Enfim, com toda a sua historia passada, incluindo como oram tratadas figuras importantes dentro do movimento, e outras situações lamentáveis de liderança, Samora Machel ofereceu-nos uma visão. Que nos fez mesmo aceitar os bombardeamentos da Rodésia do Sul e da África do Sul do Apartheid. Sabíamos que íamos algures, alguém nos dirigia.
Visão é o que hoje não temos e não tivemos durante muito tempo. Será ao menos que ao aproximar das eleições este ano, um dos quatro candidatos nos oferece finalmente:
uma visão? e
um diálogo permanente com o povo para além das conversas eleitorais moles?
Será que podemos celebrar os cinquenta anos no próximo ano, assentes numa visão que nos une e que ilumina o caminho a seguir, não até às próximas eleições, mas sim para os próximos cem anos?
Pois eu, ignorante em matéria de política e de economia nacional, queria oferecer a estes candidatos um esboço de programa simples para cabularem:
E a tal visão consiste no seguinte:
Produção e consumo nacional: pequenas coisas que não requerem grande tecnologia ou infraestrutura, em vez de importações custosas para as quais não temos dinheiro[1]. A construção de vários centros de pequena indústria: o botão, o prego, o palito, a pasta dentífrica, a escova de dentes e outras pequenezes que envergonha importar e empobrecem.
Soberania alimentar: A expansão da agricultura de regadio: Moçambique não é plenamente soberano enquanto depender debilmente de produtos importados: peixe, tomate, arroz, milho, cenoura, carapau, ervilha, a lista é longa. Depender de países que não tem nem rios, nem vales agrícolas, nem florestas como as que Moçambique tem. Faz com que esses países cobicem o nosso território e comecem a urdir maneiras de controlar essas terras férteis nossas.
Instituições que reforçam a soberania: Obrigar os bancos a servir a nação e não o capital internacional, apoiar a pequena indústria e a agricultura, reduzindo a taxa de juro para menos de 2%. A banca também é um instrumento político, seja do capital internacional, seja do reforço da soberania nacional nos vários ramos (industrial, agrícola etc).
Liquidar serviços não produtivos e parasitas: as Linhas Aéreas de Moçambique por exemplo, e oferecer o mercado nacional a uma linha regional que possa explorar com melhor eficiência o espaço e o comércio aéreo do país. Deixemos de copiar o que nos arruína e façamos aquilo que nesta altura corresponde às nossas capacidades. Fazer o que faz sentido económico para Moçambique. O que não conseguimos, ofereçamos aos nossos vizinhos.
Especialização: Identificar áreas em que Moçambique tem mais vantagens regionais e desenvolve-las, afim de oferecer melhor serviço regional. Significa, ao nível negocial, Moçambique ter um quadro de diplomatas econômicos que sabem negociar o toma-lá-dá-cá e identificar complementaridades: que uns países sejam convencidos a deixar de fazer coisas para as quais não tem nenhuma vantagem, e oferecendo também o mercado Moçambicano a produtos doutros países vizinhos que saem mais em conta do que os produzidos localmente. Exceto a soberania alimentar básica.
A centralização, inimigo do desenvolvimento Todas as Províncias do país tem muitas riquezas, de forma variável: corredores de trânsito, costa marítima e pesca, vales agrícolas, caju, areias pesadas, ferro, bauxita, mármore, rubis, gás, carvão, ouro, eletricidade hídrica, alumínio, titânio, e mais se diga. Modificar a gestão destes recursos se impõe, na medida em que é necessária uma melhor distribuição da riqueza nacional, afim de
em primeiro lugar, esta riqueza ter impacto visível no melhoramento das condições de vida local,
em segundo lugar, para apoiar o orçamento nacional e
em terceiro lugar, servir de elemento de igualização entre províncias de níveis diferentes de riquezas.
Assim, proponho coragem para uma gestão descentralizada, profissional e abnegada dos impostos de produção da seguinte forma (por exemplo):
30% da produção de cada Província reverte para a Província de produção.
30% para apoiar o orçamento nacional,
5% par a contribuir par a redução da dívida nacional (orçamento),
30% para atribuir e reforçar outras províncias, de acordo com o nível definido de riqueza e necessidades,
2% para uma reserva nacional de solidariedade em situações de calamidade/desastre natural,
2% para um fundo nacional para a posterioridade (Fundo Soberano).
1% para a formação e bolsas de estudo de formação técnica e industrial ao nível nacional.
Fiquemos por aqui. Podia fazer-se um tratado econômico inteiro para se sugerir aos candidatos, mas eles sabem muito mais do que um Moçambicano ignorante como eu.
Ao nível político ainda menos capacitado sou eu, menos conhecedor dos labirintos de interesses individuais, partidários e estrangeiros que se instalaram no nosso país amado. Apenas ofereço as seguintes considerações políticas sérias:
A terra e o povo: atenção ao negócio de terras num país onde o crescimento demográfico vai pôr em causa as negociatas de hoje. A terra pertence ao soberano, o povo, e não ao administrador, o governo. O governo é notário e depositário do bem deste soberano.
A segurança nacional: ela não pode ser garantida por forças estrangeiras. Num contexto mundial onde potências coloniais e imperialistas querem recolonizar de formas sofisticadas e apoderar-se das nossas riquezas, mas não nos consideram humanos como eles. Atenção aos esquemas que se escondem por detrás dos projetos climáticos, aos bancos e instituições financeiras internacionais que estão conosco, mas não nos ajudaram a desenvolver, volvidos cinquenta anos, estamos mais pobres e mais endividados. O desenvolvimento não vem de ajuda externa de forma nenhuma. Não às bases militares estrangeiras em Moçambique.
O soberano: Está claro: pelos abocanhamentos das oportunidades econômicas através das Parcerias Público-Privadas; pelas dívidas ocultadas; pela existência de grandes empresários que nunca seriam empresários se não fosse pela posição dos seus pais e familiares em cargos do estado: que se esqueceram que o soberano é o povo. Escutando os debates na Assembleia da Republica, está claro também que o povo está ausente. Uma leitura do livro: O Contrato Social[2], faria bem ao pretendente a dirigente, ou ao chefe que se quer chamar dirigente.
A exclusão política todos sabem e ninguém quer dizer em público, que o emprego no estado e as oportunidades económicas que o estado diz oferecer ao povo (SUSTENTA, etc) só favorecem quem pertence ao partido no poder. A competência não conta mais. É tempo de voltarmos aos valores de inclusão nacional e de competência técnica. Para isso, peço ao candidato vencedor que considere duas estratégias, executadas cautelosamente, mas decisiva, urgente e abertamente:
Continua a ser membro do teu partido, mas deixa de o Presidir. Participa e usa do teu assento forte para infundir no partido maioritário o sentido da justiça, da equidade e do serviço patriótico. Se não agires assim, encorajas a oposição a ganhar o poder só para também se comportar da mesma forma exclusionária. Um partido so queria ascender ao poder para “a nossa vez de comer,’ uma atitude mentecapta infelizmente associada com a atitude africana. Moçambique até pode quebrar esta percepção negativa do Continente e servir de luz. Educação cívica.
Deixa de te considerar “o soberano”. O soberano é o povo e, portanto, despe as roupas do déspota absoluto que nomeia tudo, tal um Bonaparte. Separa os teus poderes marechais de decisão, dos poderes judiciários que devem ser independentes para poderem oferecer equilíbrio ao exercício da soberania que o povo deposita em ti como seu representante (não seu substituto).
De resto, Boa sorte (Lutero, Chapo, Mondlane, Momade)
Jose
Tete, 29 de Junho de 2024
[1] Aliás, não temos dinheiro para a saúde, para a educação, para as nossas forças armadas em Cabo Delgado, etc. Deixo a ladainha por aqui.
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