CRONICAS DE TETE
O leitor vai desculpar-me por lhe trazer um excesso de sopa de Tete. Uma cidade que está em diálogo constante comigo. Diálogo esse que tem lugar de uma forma de violência externa e de ansiedade interna indizíveis.
Quem fala de Tete praticamente mete no mesmo caldo a cidade de Moatize, tao perto está uma cidade da outra. Ambas cidades contêm minha família: irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas. E minha tia, na ausência eterna de minha mãe.
Violências de Tete:
1. À População:
Um povo pacifico, acolhedor, pobre e silencioso durante a semana e um pouco barulhento no fim de semana. Um povo que se resignou às bichas para solicitar serviços dos bancos, do Registo Civil, do notário, da INATTER. Um povo paciente perante uma burocracia que se acostumou a distanciar-se deste povo desde que a COVID passou de visita por aqui. A justificação desapareceu, o tratamento distanciado institucionalizou-se.
2. Às Infraestruturas:
Tete exibe uma infraestrutura pública em franca degradação, dir-se-ia explorada e esquecida: a ponte de Chingodzi que desabou de tanta chuva, que impede a circulação direta de veículos de Moatize para Tete, forçando desvio pela Ponte A. Guebuza para se chegar de uma cidade a outra. Assim, os transportes coletivos interurbanos acabaram por se adaptar a esta situação para poupar combustível, uma vez que um aumento do preço do assento está fora de questão: deixam os passageiros dum lado do rio, os quais percorrem a ponte a pé e apanham outro veículo público que lhes espera do outro lado: Duas estações de veículos face a face que acabaram por criar entre elas um mercado ambulante de comida. Desde que a tal ponte desabou em Janeiro de 2022, ela continua em reconstrução mas não acaba, nem pode arcar com pesos de viaturas ligeiras. Do meu tempo de estudante, lembro que esta ponte arcou com milhares de viaturas pesadas a levar cimento para a construção da barragem de Cahora Bassa.
De tanto carvão mineral explorado quer em Moatize quer no Chirodzi, as estradas estão tão desgastadas que nós nos indagamos de quem será a responsabilidade de forçar os investidores a reparar e melhorar as estradas da Cidade de Moatize, e de Moatize para Chirodzi. Parece-me ver muita movimentação de personalidades de muito alto grau, mas não estou a ver a agressividade na defesa dos interesses de uma população que conhece o carvão, mas não conhece os seus benefícios.
E o tal desvio da estrada da Zâmbia cujo asfalto foi renovado não faz dois anos, esteve já em reparação este ano. Pensei que o asfalto devia resistir uma decadazinha! Alguém não estará a batotar? Quem verifica?
3. Ao Meio Ambiente
Falando de carvão, eis aqui outra violência: cheiro de pólvora e poeira do carvão mineral: eu já deixei de acordar de manhã para fazer uma caminhada matinal para me manter em forma, por causa do cheiro da pólvora e das partículas/poeiras de cravão que nos afetam todos os dias. Imaginei até que as nossas autoridades sanitárias de vez em quando fizessem um inquérito para ver se não há perigo de tuberculose nas populações de Moatize e de Tete, e até mais longe, na direção que a poeira leva, porque me parece ir na direção da Zâmbia.
Minha esposa tem estado a estender roupa ao ar livre para secar. Se não fosse o calor de Tete que faz secar a roupa muito célere, às vezes deixa a roupa estendida todo o dia (ela se esquece por causa de outras tarefas caseiras); depois de três lavagens, a roupa acaba cinzenta se for branca, e escurecida se for de outras cores. Até o fio de estender a roupa fica/está negro.
Por cima disso, temos o famoso calor que nos bafeja logo de manhazinha e nos faz procurar sombra logo depois do pequeno almoço. Este ano a temperatura de Tete várias vezes atingiu os 42 graus centígrados. Toda a gente precisa de beber muita água todos os dias. Alias, a venda de água é um negócio enorme em Tete (enfim, por todo o lado). O meu jardim murcha de vez em quando. Quando a senhora insiste em regar o jardim, a minha fatura FIPAG (Águas do Centro agora se chama!) chega a 3.000 Meticais e fico olhando para uma senhora que não compreende qual é o problema do marido! Com tanto calor, tentar poupar dinheiro é condenar as nossas flores a murcharem facilmente. Que devo fazer?
Apesar de tudo, e com um pouquinho de imaginação, o jardim transforma-se num pequeno Eden ao redor da casa e lembra-me da conversa entre Deus e a sua primeira criatura (sempre achei que Deus tinha criado mais pessoas do que Adão e Eva. Senão, onde é que Caim se foi casar depois de esfaquear Abel seu irmão?)
As temperaturas da urbe afetam também o visual dos Tetenses; basta plantar-se junto de uma escola e ver os alunos saírem, todos com caras exangues, calças meio caídas e sem entusiasmo. Calor ou não, a partir de Sexta Feira o meio ambiente muda de velocidade de maneira drástica. Basta passar pela rua do Bairro Azul naquela zona do Habeas Copos (perguntem ao dono a piada por detrás desta frase, porque se trata bem de uma frase estropiada!). É o desabafo semanal.
4. Aos Mercados Populares
Tete tem mais de sete grandes mercados populares, bem frequentados e vibrantes, o maior dos quais emprega uma multidão de jovens, o Kwachena. Estava acostumado a comprar carne e peixe nos supermercados, até que um Padre da minha Paróquia me levou ao Kwachena. Um verdadeiro fungula masso! Uma economia informal enorme funciona aqui sem apoio municipal, sem inspeção e sem melhorias básicas: água, saneamento, pavimentação, estrada de acesso. Se as pessoas de direito e de dever e que detém as rédeas do poder municipal pudessem pôr um pouco de esforço e recursos, a estrada de acesso podia ser melhorada, o que teria imenso significado para a população. A venda de carne podia ser inspecionada pelas autoridades sanitárias, para evitar infeções que muitos de nós não conhecemos (a ténia, sobretudo na carne suína). O Mercado pode ser melhor organizado e expandido para dar prazer de trabalho aos comerciantes e experiência agradável aos clientes. Mesmo que fosse contra a imposição de uma taxa simbólica de dez meticais por cada operador comercial por mês, daria muito dinheiro para a autossustentação, higiene e beleza do mercado, seria leve para o contribuinte e teria uma população menos pusilânime e menos indiferente.
E porque não melhorar todos os mercados populares? 1. vias de acesso condignas, 2. recolha de lixo e manutenção municipal, 3. água, saneamento e escoação, 4. registo do pequeno operador e coleta de taxas simbólicas, 5. ordenamento espacial,criação e gestão de espaços de lazer e repouso/jardins!
E que apego é esse do Tetense aos supermercados, caros e também sem inspeção sanitária?
5. Ao Motorista impávido
Para concluir este artigo meu, parece-me violento querer sujeitar a população a portagens, que felizmente, fora as duas portagens de Tete, não funcionam. Conheço outras três portagens que não funcionam e esperamos que venham a encerrar. Exigem muito dinheiro de pessoas que frequentemente também têm que procurar peças sobresselentes por causa da condição das estradas. As nossas viaturas também passam a ser uma violência ao corpo e ao bolso, de tão depressa se estragarem.
Mais uma vez,
A portagem não estaria ligada (condicionada diria eu) a melhoria e manutenção das rodovias públicas?
Teríamos o direito de fazer esta pergunta sem sermos interpretados como pertencendo a alguma tendência política? Achamos que este é um exercício de direito cívico legítimo que interessa a todo o público (Tetense e Moçambicano), afiliado ou não a partido político.
Em que fórum se podem fazer estas interrogaçoes e a quem?
Tete,
Dezembro de 2023
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