Vários Povos, um Estado: para uma Nação Moçambicana
CONCLUSÕES
De acordo com as estimativas[1], a população de Moçambique seria agora mais de 34 milhões. Entretanto, limitemo-nos às estatísticas de 2022 que coloca esta população a 32,9 milhões, como nos referimos em artigo anterior. Assim, destes 32,9 milhões, 28,2 milhões (85,7%) tem menos de 54 anos (tinham 6 anos na altura da independência) e dentro destas 28,2 milhões de pessoas, 19,7 milhões (59,9% dos 32,9 milhões) tem menos de 25 anos. É esta a nossa juventude para quem a história colonial ou a história da resistência ao colonialismo, ao racismo na Rodésia ou contra o Apartheid na África do Sul não é mais do que isso: história, ou seja, período passado, não vivido. É esta a composição demográfica da população em interface com o estado, enquanto este estado está respondendo a demandas de um outro quadrante demográfico alheio a esta realidade populacional em franco florescimento. Onde devia situar-se o foco do estado, para tecer uma relação forte com o seu povo?
“Não vamos esquecer o tempo que passou” foi uma canção revolucionária que aprendemos há muitas décadas. Na realidade se esquecermos ou se deixarmos de ensinar nas nossas escolas, teremos nós os mais velhos a responsabilidade de ter abandonado a nossa juventude no risco de repetir a história. Uma história neocolonial muito mais opressora da próxima vez. O antigo colono compreendeu há muito tempo que não precisa de ocupar território alheio para poder explorar. Mas se for necessário, não hesitará em utilizar os meios tecnológicos avançados de que dispõe para tornar a ocupar.
Ao acedermos à independência nacional, ingressamos numa ordem internacional que nos é alheia e nos antecede como estado. Entre outros simbolismos protocolares, o nosso Presidente tem direito às mesmas vinte e uma salvas de artilharia que o Presidente dos Estados Unidos ou da França ou da China, ou da Rússia ou da Índia. Mas não haja ilusões: somos soberanos, mas não somos iguais! Por isso quando o Presidente dos Estados Unidos convoca cinquenta e tantos Presidentes Africanos, quase todos se precipitam para Washington para conversar com um só cavalheiro! A ordem internacional vigente é caraterizada por
arbitrariedade do mais forte; o melhor que o menos forte pode fazer é ser inteligente e saber negociar para que os seus interesses nacionais possam prevalecer em qualquer transação internacional. Se o outro ganha, pelo menos que não sejamos nós sempre condenados a perder.
um racismo patente e irrepressível. É uma ilusão pensar que a igualdade humana tao proclamada e pilar do credo das Nações Unidas é uma realidade que determina as relações entre estados. Estamos muito longe desse ideal. O nosso dirigente que nos representa no palco internacional deve ter isso em conta. As mortes no mar Mediterrâneo ou o tratamento dos Africanos quando a guerra da Ucrânia eclodiu e um mar de refugiados procurava entrar noutros países europeus! Ucranianos brancos foram aceites, e os Africanos foram rejeitados. E a Palestina é toda uma longa história de ocupação, deceção e, mais recentemente, genocídio permitido e fomentado.
um conceito preverso chamado globação. Este eufemismo mortal esconde desígnios nefastos: uma Europa que considera seus os recursos naturais em território africano. Ela utilizou acordos multilaterais tais como a Convenção de Lomé[2] ou o Acordo de Cotonou[3] para manter o seu domínio monopolizador sobre os nossos recursos. E agora a utilização de focos de insegurança para o estacionamento de forças europeias, especialmente, mas não só, na África Ocidental, a pretexto de reforçar a guerra contra um terrorismo que eles próprios promoveram ao destruir de forma petulante o governo da Líbia de Muhamar Kadhafi. O terrorismo passou a fazer parte permanente do discurso e pretexto para uma indústria militar que justifica a extraterritorialidade de forças armadas europeias e americanas no continente Africano. Eles não têm intenção nenhuma de arredar pé de Africa, porque esta proximidade lhes permite proteger os seus interesses económicos sobre os nossos e contra nós. Se algum país resistir, tentarão o uso da força legalizada (através da interpretação de acordos que parecem inocentes, do uso e abuso de organizações internacionais ou regionais) para manipular a ordem constituída.
O estudo da geografia militar dos nossos territórios sob pretexto de cooperação junta-se agora aos métodos mais tradicionais: a dívida como forma eficaz de dominação.
A Europa já expandiu as suas fronteiras para o Sul do Deserto do Sahara. Por isso ela vê com maus olhos e muita apreensão os golpes de estado onde ela não joga papel determinante na Guiné, no Mali, em Burkina Faso e no Níger[4]. Em particular por causa dos recursos naturais indispensáveis para a prosperidade contínua na Europa: o urânio, o gás (agora que o gás russo não esta disponível), o ouro, etc. Apesar de estas mudanças terem tido apoio popular massivo, um inédito na história dos golpes de estado. Vox populi…
De acordo com estudos cujos critérios podemos, mas não vamos agora discutir, Moçambique passou em 2022 a ser o terceiro país mais pobre do mundo[5], apenas melhor do que a Somália e o Burundi. Mesmo que os seus métodos de cálculo sejam propositadamente complicados, são factos que se nos apresentam e, muito mais do que uma verdade estatística, é uma afirmação política, social e económica que relativiza o bem-estar da população em relação aos recursos que este mesmo povo pisa todos os dias e a sua maneira de gestão. Sempre nos pareceu que éramos melhor do que a Sierra Leone, o Níger, o Chade, o Congo, o Malawi e a Libéria. Sempre tivemos pena da pobreza que vimos e com a qual tivemos de trabalhar nesses países. Qual será então o nosso estado de espírito ao percebermos que Moçambique é afinal ainda mais pobre? Com todos os recursos incluindo recursos humanos muito jovens e pujantes.
Entretanto, na sua página oficial, a análise do Banco Mundial sobre a cooperação com Moçambique[6] dá a distinta sensação de que Moçambique está no caminho certo. Porque é que o Banco Mundial entretém este tipo de discurso, sabendo que Moçambique passou a ser o quinto (?) país mais pobre de África depois do Burundi, República Centro Africana, Níger e Somália? Qual é o jogo?[7]
Toda esta história leva-nos a reiterar conclusões já tiradas[8]
Infelizmente, em África estamos e continuaremos numa situação periférica no cômputo da economia mundial, somos obrigados a deixar explorar e exportar as riquezas dos nossos países, desde que os nossos dirigentes possam beneficiar das migalhas gordas dos contratos, dos subornos e de trocas de influência, que muitas vezes instrumentaliza o chamado PPP[9]. Até quando?
Não estamos em posição de imprimir uma direção estratégica coesa para asseguramos que Moçambique pelo menos produza o que consome, e contribua para modificar a ordem econômica e financeira mundial que nos penaliza. Até quando?
Tão penalizados estamos que até a nossa banca não pode mais responder às necessidades de produção do povo (se alguma vez respondeu), preferindo a pequena burguesia nacional e o mercantilismo internacional, incluindo distanciando-se do povo através da elevação das taxas de juro. Até quando?
Outrossim, nós não temos capacidade humana e técnica para avaliar a quantidade (e qualidade) de gás ou de carvão que estão ou serão extraídos; não sabemos se nós medimos a quantidade e qualidade do carvão que se exporta, ou se dependemos da informação que nos vai sendo dada pelas empresas exploradoras e exportadoras interessadas. E se a exportação se faz a partir do alto-mar, ainda menos. Por outras palavras, se esta é a situação, o explorador-comprador está em posição de força porque apenas ele é que tem a capacidade de conhecer e de nos informar a nós, como vendedor, das quantidades que permitimos exportar, quanto deve pagar pela quantidade e qualidade que ele mesmo declarou, que tipo de participação nacional é possível, etc. Em suma, a situação não está sob controle do soberano. Até quando?
Para terminar, os nossos dirigentes e o nosso estado devem estar cientes das relações comerciais internacionais desiguais que se fazem sentir quando um país Africano quer reafirmar a sua soberania sobre os seus recursos naturais. É aí que a armadilha é despoletada, normalmente muito tarde e sem possibilidade de resgate, em situações já conflituosas. Aí, entra em jogo um artigo que normalmente não temos tempo de ler na euforia da assinatura, mas que faz parte de todos os contratos internacionais[10].
Em caso de disputa, o contencioso será resolvido por recurso a Centro Internacional de Resolução de Conflitos sobre Investimentos, o International Centre for Settlement of Investment Disputes[11].
A Tanzania, país vizinho e amigo, acaba de ser constrangida a pagar a empresas extrativas estrangeiras este ano três multas totalizando $274 milhões por ter recusado a exploração dos seus recursos a preços derisórios[12]. E um dos seus aviões comerciais foi retido na Holanda[13], até que estas multas fossem pagas! Num caso, foram pagos$165 milhões para compensar pela perda de $65 milhões de investimentos estrangeiros.[14]
A longo prazo, devemos quebrar estas algemas todas. Quem nos vai empoderar senão nós próprios? Torna-se politicamente urgente adotar um manifesto que nos permita quebrar este molde de relações desiguais dentro das quais transacionamos tanta riqueza, mas que, entretanto, não desenvolvem nem as nossas capacidades de autonomia económica soberana nem a indústria de transformação local. Ainda estamos longe da soberania alimentar, apesar de todas as iniciativas.
Temos a consciência de ferir certas suscetibilidades, mas temos o dever nacionalista de não fechar o olho àqueles que tem acesso à informação privilegiada e ao poder de decisão, mas que nada fazem para impedir o conflito de competências e de interesses na governação da coisa nacional. Se não atacarmos este mal, a juventude de hoje e de amanhã irá indagar-se para que serviu a geração antiga que viu a guerra de libertação nacional, que viu e celebrou o 25 de Junho de 1975. Onde ficou arquivada a revolução?
Equidade nacional[15] inexistente: Dados orçamentais revelam que, no período que vai de 2013 a 2023, as províncias da Zambézia, Cabo Delgado, Nampula e Niassa deixaram de receber (receberam a menos) respectivamente, cerca de 2,374.9 milhões, 2,162.7 milhões, 1,975.6 milhões e 792.1 milhões de MT do orçamento de investimento que lhes fora atribuído centralmente devido a não aplicação dos critérios definidos. Por outras palavras, parafraseando o CIP,
durante este período, essas províncias poderiam ter investido mais se o governo respeitasse o critério por si proposto definido. Esta situação contrasta com a evidência de um grande desvio positivo na alocação para as províncias de Maputo Cidade, Gaza, Sofala e Maputo Província. Em termos cumulativos, no período em análise, estas províncias receberam 70,1% (2,183.4 milhões de MT), 52,8% (3,356.6 milhões de MT), 19,4% (1,621.3 milhões de MT) e 17.7% (1,064.0 milhões de MT) respectivamente, acima do valor previsto. Em contrapartida, a não observação da metodologia proposta pelo CFMP significou a não alocação de cerca de 2,374.9 milhões de MT, à província da Zambézia, 2,162.7milhões de MT, à província de Cabo Delgado, 1,975.6 milhões de MT, à província de Nampula, 915.7 milhões de MT, à província de Tete, e 792.1 milhões de MT, para Niassa.
A paz não é só a ausência de guerra. É também o exercício efetivo e não partidário da equidade nacional pelo governo, em cujas mãos se encontram os instrumentos de execução, e que deviam exercer independentemente da opinião política, como reza a nossa Constituição.
A dívida e o conflito interno, são instrumentos potentes cujo entretenimento tem o desígnio de manter os nossos estados em debilidade prolongada, o suficiente para o capital estrangeiro gozar dos nossos recursos naturais a vil preço acompanhadas de todas as manobras da globalização, discurso mais recente.
Mais uma vez, concluimos com duas dicas:
Ninguém muda nada se não sentir que perde não mudando e que ganha mudando.
UNIDADE, TRABALHO E VIGILÂNCIA. Palavras de ordem mais válidas agora do que nunca
Jose, Tete
Dezembro de 2023
[6] https://www.worldbank.org/en/news/press-release/2023/02/23/new-afe-world-bank-group-strategy-for-mozambique-greener-resilient-and-inclusive-development
[7] https://www.urgewald.org/medien/world-bank-involved-conflict-interest-cases-mozambique-lng-development
[9] https://ppp.worldbank.org/public-private-partnership/library/mozambique-lei-no-15-2011-de-parcerias-publico-privadas
[10] As língua insultuosas do Africano rezam o seguinte: “if you want to hide something from the African, put it in writing and give it to him”
[12] https://www.globallegalpost.com/news/lalive-and-boies-schiller-secure-109m-arbitration-award-against-tanzania-651206275
[13] https://www.trtafrika.com/africa/tanzanian-plane-impounded-in-netherlands-released-after-7-months-13966623
[15] https://www.cipmoz.org/pt/2023/12/11/equidade-na-afectacao-de-recursos-provincias-da-regiao-norte-negligenciadas-na-alocacao-de-recursos-para-financiar-as-despesas-de-investimento/
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