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MOCAMBIQUE: RELACAO ENTRE O POVO E O ESTADO ARTIGO 6 de 6

Writer's picture: canhandulacanhandula

Vários Povos, um Estado: para uma Nação Moçambicana


LEQUE DE PROPOSTAS PARA UMA POLÍTICA EFICAZ DO ESTADO

Aspergir críticas, sobretudo críticas contrárias às práticas correntes de gestão do estado e dos seus recursos, torna-se fácil e gratuito, na posição de leitor intelectual e no conforto da distância dos problemas.  E daí? Como diz a voz do pé descalço Angolano “o que vamos fazer com os problemas que estamos sentados com eles?


Para alem das sugestões que já fomos tecendo à medida que desenvolvíamos estes argumentos em cada um dos artigos desta série, importa salientar outras de caráter programático, com o objetivo final de propor pistas para a promoção da plena capacidade humana do Moçambicano, de forma inclusiva e apartidária, como condições

  1. para o enraizamento de um compromisso positivo entre o povo e o estado,

  2. para que os povos de Moçambique passem a ser um só povo e uma só nação,

  3. para que se realize um contrato social com características Moçambicanas, Africanas sólidas, onde os recursos nacionais sirvam para elevar técnica, social e humanamente o Moçambicano.

 

Primeira premissa: Lutar pela nossa Humanidade[1]

No concerto das nações, devemos ter a consciência aguda da nossa posição, e da maneira de agir dos governos e estados que outrora foram colonizadores, e da forma como trataram e continuam a tratar o Africano, esteja ele em África ou no Haiti[2].  Um relatório divulgado pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos aponta que o racismo sistêmico ainda é um desafio para a participação significativa de afrodescendentes nos assuntos públicos de seus países”.  O documento indica que as experiências da escravidão e do colonialismo também são raízes da marginalização e exclusão que afetam as populações afrodescendentes até os dias de hoje.  Diz o relatório: “As consequências do racismo sistêmico estão presentes em todos os aspectos da vida dos descendentes de africanos, incluindo uma menor participação na vida pública e política[3].


Aliás, falar de racismo sistémico[4] é uma tautologia porque racismo é já por si um sistema promovido e coletivizado, não uma atitude individual esporádica.  Assim, agir como iguais e esquecer completamente a existência de racismo e de atitudes de superioridade quando lidamos com os nossos interlocutores internacionais é uma inocência incompreensível no cômputo da nossa experiência colonial como Nação, como Continente.  A igualdade entre os homens é uma realidade antropológica de consanguinidade e um ideal, mas continuaremos a ser tratados como seres inferiores até que acontecimentos de proporções apocalípticas venham talvez um dia a alterar esta (des)ordem internacional.  Este deve ser um alerta constante, mesmo que de forma protocolar sejamos tratados como iguais.

 

Com esta noção sempre presente na consciência de quem representa o país nas lides internacionais, propomos, em relação ao tema central das nossas lucubrações:

 

1.      Uma visão nacional corajosa de longo prazo 

Uma agenda de estado para a consolidação da nação, da coesão das etnias e dos povos que façam de Moçambique um país desenvolvido em redor de um ideal e de uma visão a muito longo prazo. Visão obrigatória para qualquer que seja o partido no poder – um denominador comum, uma visão de duzentos anos, cem anos, cinquenta anos, não uma visão eleitoralista de cinco anos!  Precisamos de deixar algo para as várias gerações vindouras. 

Elementos desta visão:

  • O dirigente deve ser identificado através de critérios de integridade, capacidade técnica, visão económica e empresarial e criar-se-lhe condições sociais para que os aliciamentos financeiros das multinacionais não o impressionem até afetar o seu dever patriótico.

  • Um Congresso de partidos, dirigido pelo primeiro-ministro, seria convocado, para definir e acordar sobre as estratégias nacionais a longo termo.  Entre eles:

  1. Política externa definindo elementos inamovíveis da convicção e solidariedade internacional do povo Moçambicano e interesses comerciais/económicos globais.

  2. Política de integração regional que compreenda

  • Integração económica e complementaridade/especialização industrial e comercial regional.

  • Migração, e relação com países vizinhos.

  • Política nacional em relação ao acesso universal a

  • Saúde e Educação,

  • Energia e Habitação,

  • Proteção social e solidariedade em situações de catástrofe,

  • Infraestruturas,

  • Industrialização e manufatura,

  • Meio ambiente e projeção do crescimento demográfico/estratégia de urbanização.


2.      Renovar a relação entre o Estado e o Povo

Se o soberano é o povo, e este soberano por sua vez decidiu constituir um aparelho que se chama estado, a quem cedeu a defesa da sua soberania, é então consequente que a moral exija que as pessoas em situação de exercício do poder através deste estado sacrifiquem abnegadamente os seus interesses de curto prazo, a favor dos interesses de benefício para a sociedade sobre a qual exercem esse poder.  Porque na realidade o poder que exercem foi-lhes confiado. A justiça social é a noção de que todas as pessoas no território têm o direito às oportunidades econômicas, políticas e sociais, seja qual for a sua raça, religião, gênero, pertença política ou estatuto social.


O alto funcionário do estado que se encontra comprometido com o capital e interesses internacionais em virtude da sua posição no aparelho não é novidade nem em Africa nem em parte nenhuma do mundo.  Contudo, cabe-nos a nós povo demandar a imposição de limites e a não tolerância de conflitos de interesse.  É demasiado gritante a existência de empresários que chegaram a esta posição por se sentarem e negociarem certos contratos de extração e exportação em nome do país.  Ou por serem família de dirigentes, sem o qual as suas qualificações nunca lhes conseguiriam tal posição. Muito poucos deles aliás se encontram na produção, na agricultura ou na manufatura, limitando-se à prestação de serviços e à reciclagem de artigos já produzidos por outros.


Que o partido seja instrumento de acesso ao estado é uma situação normal.  Que o partido, uma vez no poder, puxe a brasa para a sua sardinha, isso é natural. Mas a supremacia do partido sobre o estado criou e mantém em Moçambique uma situação de exclusão: quem não pertence ao partido no poder, quase automaticamente é excluído do acesso ao emprego no estado.  Esta discriminação com base ideológica é uma negação das nossas diversidades de ideias divergentes e ricas, cuja conjugação podia muito bem ajudar o país a progredir.  Tanto mais que, como dizíamos atrás, temos hoje uma camada juvenil de menos de 52 anos que não teve experiência do colonialismo e viveu quase nada da realidade da luta armada pela libertação do país.  São mais de 80% da população!  Atenção a esta realidade demográfica que não comunga com os mais velhos a intensidade da revolução anti-colonial!  Portanto, não enxergam e daqui a pouco deixarão de aceitar ou compreender o direito de governação de um partido único.


Excelência é um título que damos ao dirigente, não porque o dirigente é excelente, mas porque como dirigente, esperamos dele um comportamento exemplar.  Isto contribuiria para o chefe se transformar em dirigente e agente do reforço do compromisso entre o estado e o povo, e para promover uma visão a longo prazo para a nação.  Aí está a diferença entre o dirigente e o líder: o dirigente é empossado.  O líder impõe-se pelo exemplo e é o seu exemplo que lidera e mostra o caminho a seguir. 


Para além dos comícios de marcação de passagem do dirigente, ou então nas vésperas das eleições, não existem mecanismos sistemáticos de auscultação do povo, a qual seria uma forma concreta de tecer o compromisso entre o povo e o estado, para nos guiarmos por uma visão a longo prazo, condição sine qua non para se construir a nação.   As ofensivas organizacionais de Samora Machel, a comunicação mensal de Armando Guebuza (Presidência Aberta) são tantos exemplos muito positivos que deviam servir de inspiração para um melhor diálogo permanente entre o poder e o povo, através do seu Presidente ou outra forma de comunicação que construa não só adesão, mas até uma cumplicidade do povo com o programa do estado.

 

Seriam elementos desta renovação

  • No mínimo, o funcionário deve ser instruído sobre a função e os deveres do estado para com o povo ao seu nível. 

  • A proibição e sanção por lei-decreto das situações de conflito de interesses, por exemplo entre ser funcionário superior do estado e aceitar consultorias para as funções para as quais foi recrutado, nomeado e pago, e tantas outras situações inaceitáveis de exercício do poder e aproveitamento económico pessoal. 

  • Se o Deputado da Assembleia deseja ser empresário em função do que veio a conhecer na sua posição, que se demita da sua função pública e lhe seja permitido fazer o seu negócio, desde que seja lícito.

  • É necessária uma separação imediata entre o estado e o partido, e o fim da subordinação do estado ao partido, afim de eliminar a exclusão de entrada no aparelho de estado de Moçambicanos qualificados, apenas por causa de opiniões políticas discordantes, violação flagrante da Constituição (Art. 35). 

  • Nós proporíamos, com base em institutos excelentes que existem em Moçambique, tais como o Instituto Superior de Relações Internacionais e outras Academias superiores, a criação de uma Escola Superior da Administração Estatal para a formação administrativa do dirigente, logo que é nomeado, para Ministro, Secretário de Estado, o Governador eleito ou o Administrador de Distrito, e outros de nível superior.  Um Instituto onde o dirigente aprenderia sobre pensamentos económicos, a ética do atendimento célere ao publico, inspeção e probidade, deveres para com o estado e competências superiores para o exercício da função e do poder, tais como capacidade de pesquisa, noções e teorias do estado, capacidade de transmissão do conhecimento, etc.

 

3.      Descentralização da Administração do Estado

A soberania não deve ser só a consequência de uma transformação da ordem colonial, mas também de um trabalho intenso e deliberado de adaptação (social engineering) para que juntos, o povo e o Estado estabeleçam as metas a atingir daqui a duzentos anos, daqui a cem anos e assim por diante.  E que se obriguem as instituições do estado a seguir esta visão.   A nação é eterna e a nossa geração deve deixar os alicerces sobre os quais os nossos continuadores poderão construir um Moçambique que daqui a cinquenta anos seja melhor do que a França. É muito mais do que possível.


Nenhum estado, entretanto, se pode desenvolver equitativamente com uma concentração de poderes apenas na capital.  O Governador e o Administrador de Distrito continuam dependentes de Maputo e, portanto, em vez de exercerem liderança e iniciativa limitam-se a ser funcionários glorificados.  Não tem poder de inovar nem de encorajar as capacidades humanas na sua área de responsabilidade territorial.  Maputo funciona não só como cabeça, mas também como o tronco, os braços e os pés.  Um verdadeiro desperdício de capacidades.


Estamos conscientes que isto acarreta modificações na lei nacional, como implica também uma limitação das ambições partidárias.  O país deve ser gerido por um estado, não por um partido.  Que os partidos influenciem a gestão através do governo, não através de um aparelho de estado que deve ser profissionalizado e perenizado.


Elementos desta descentralização

  • A definição imediata pela Assembleia da República de datas para as eleições Distritais prorrogadas sine die. 

  • O reforço da unidade nacional através de eleições cadenciadas da base ao topo.

  • A emissão de uma lei que reja as relações entre o Distrito empoderado, a Província empoderada, e a nação, particularmente no que se refere a administração do território e dos recursos naturais nele existentes.

  • Articulação clara entre poderes centrais e poderes descentralizados, de maneira a evitar o conflito de competências que paralise o estado, ou pior ainda, que se desenvolva a ideias de federalismo antes da maturação das instituições, apenas como reação refratária à prática política de exclusão.

 

4.      Investimento propositado e agressivo no capital humano nacional

A educação é o melhor equalizador, dizia já Nelson Mandela. Essa equalização nacional é tanto mais necessária quanto é urgente eliminar as desigualdades regionais na educação herdadas da penetração colonial!  O estado tem plena consciência das capacidades técnicas de que Moçambique carece.  Foi por causa de um programa semelhante e deliberado de bolsas de estudo nos anos 60 que o Kenya se encontra hoje com quadros de calibre internacional[5] e que aquele pais é um polo de inovação tecnológica e sede regional de empresas internacionais tais como o Google.  A educação carece de priorização.

 

Elementos de Investimentos

  • Um programa anual agressivo e dirigido de bolsas de estudo: envio de pelo menos uma centena de estudantes de cada Província para o estrangeiro, com um certo compromisso de serviço após a formação.  Áreas de especializações: saúde, educação, tecnologias modernas como a tecnologia da informação, inteligência artificial, automação, direitos internacionais, matemáticas, engenharia civil, gestão ambiental, auditoria, e que mais se diga? 

  • O empoderamento do Ministério da Educação e do Ensino Superior com uma capacidade técnica, humana e material para estabelecer uma editora nacional, autoridade em emissão de livros escolares, material didático e equipamento para os vários níveis de educação do país, incluindo a formação técnico-industrial. A produção do conhecimento:  é pena que no nosso país nem se quer os livros de ensino são produzidos por nós!  Daí os erros de ensino que fomentamos nas nossas crianças, a geração de líderes vindouros.  Nem por isso foi alguém punido.

 

 

5.      Evitar conflitos armados internos

Os nossos dirigentes devem prestar atenção ao espetro da guerra como uma armadilha contra o desenvolvimento nacional.  Que não haja ilusão: a guerra em Moçambique aproveita países estrangeiros.  Quanto mais tempo durarem no nosso território, os países que nos ajudam em Cabo Delgado por exemplo, podem passar a não ter interesse em ver o fim da guerra.  O fim da guerra é o fim do proveito para forças que já se meteram em negócios perfeitamente legais de segurança de instalações, contatos esses que lhes dão não só receita monetária, mas também oportunidade de entrar diretamente na exploração do ouro, do rubis e outros recursos naturais na Província. 


Nessas condições é perfeitamente humano que não se deseje o fim da ameaça de segurança, e com ela o fim de contratos milionários.  Na ausência de uma estratégia clara, a guerra acaba por alimentar e justificar a guerra.  Com muitos mercadores ambulantes da guerra que utilizam o discurso da ameaça do terrorismo como forma de nos mantermos focalizados sobre respostas militares estéreis. Mesmo se isso significasse armar um pouco mais os insurgentes pela calada da noite.  Por outras palavras, a guerra nunca aproveitará ao povo Moçambicano.  O objetivo único da guerra é de manter Moçambique na condição de país eternamente subdesenvolvido que merece e faz pena.  Manter Moçambique suficientemente debilitado para permitir e facilitar a continuação de uma exploração baratas dos seus recursos.  Entre a guerra de Ian Smith, a guerra da RENAMO e a guerra de Cabo Delgado, de quantos anos de guerra estamos a falar?  A guerra é uma armadilha para ficarmos permanentemente pobres.  O papel da exclusão política e económica na fomentação de um clima conducente ao conflito interno está mais que provado. 

 

Elementos da prevenção do conflito

  • Que se aprofunde o conhecimento dos regulamentos comerciais que regem a relação com as indústrias extrativas estrangeiras no país, afim de que, primeiro, possamos defender os interesses de Moçambique de forma convincente nas instancias judiciais internacionais, e em segundo lugar, que um dia, os contratos sejam regidos por leis nacionais.

  • O gás e o carvão apresentam um contexto claro onde a aliança entre o estado e o povo se pode demonstrar, através da exigência de um programa sério de Responsabilização Social Corporativa (CRS)[6].  O capital internacional que seja obrigado


Em Tete,

  1. a reparar as estradas entre Moatize e Chirodzi e na cidade de Tete

  2. Que se estabeleça um projeto de compensação direta das populações de Moatize e Tete pela poluição do carvão, dos explosivos diários, e prevenção da tuberculose na Província.  Um assunto pesado, mas importante para a continuação da exploração do carvão a céu aberto.

  3. Que se explore a introdução de seguro de saúde para todos, como projeto piloto abrangente.


Em cabo Delgado,

A educação  a formação técnica seja um investimento claro para a população da Província,  virada para a continuidade da indústria do gás, na auditoria, na tecnologia do gás, de modo que daqui a dez anos, seja o Moçambicano de Cabo Delgado que gere as grandes relações com as empresas estrangeiras, munidos de conhecimentos profundos da indústria nos seus diferentes ramos.

 

O dirigente estadista prova-se também na prevenção, no diálogo, no compromisso, na inclusão, na diplomacia e na honra da palavra dada.  O Chico esperto não é estadista, é um oportunista político que deve ser impedido de agir.


Permitam por fim que repita: Ninguém muda nada se não sentir que perde não mudando e se não sentir que ganha mudando. Todos os Moçambicanos devem sentir isso.

 

Jose, Tete

Dezembro de 2023




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