Daqui a mais trinta anos, os negociadores oficiais da República de Moçambique não estarão em posição de poder, por razoes naturais. Contudo, o que se decide hoje será arcado pelos nossos continuadores.
É esta consciência que devemos ter presente nas nossas negociações com as multinacionais para obras enormes tais como as do gás de Cabo Delgado e da futura barragem de Mpanda Nkuwa. Os mais velhos como eu se lembrarão que na primeira viagem de Samora Machel a Portugal, apos longos anos de distanciação, o então primeiro-ministro Português, Antonio Guterres, ter-se-ia recusado a ceder a barragem de Cahora Bassa, porque era propriedade Portuguesa, e que se Moçambique quisesse, que a comprasse ao preço do mercado da altura! Foi preciso esperar mais de vinte anos para o Presidente A. Guebuza conseguir este feito.
A cobiça estrangeira, sobretudo dos países do Norte, sobre Moçambique estende-se às terras e parques nacionais, às águas territoriais, aos recursos, sobretudo para suprir às suas necessidades permanentes de energia. Farão tudo para manter ininterrupto este fluxo de energia. Absolutamente tudo, e se for necessário provocar epidemias ou outras catástrofes para se desfazerem de populações inoportunas em sítios cheios de recursos, não haja o mínimo de dúvida de que o farão sem peso na consciência. Como o estão fazendo ao povo Palestino na Banda de Gaza. Como o tentaram no Biafra. E em tantos outros sítios do globo.
Para ilustrar a força deste ímpeto neocolonialista, e a necessidade de negociações profissionalmente preparadas e aguerridas, faço aqui um esboço histórico, sobretudo em relação ao nosso amigo mais recente, a França. Em suma: conhecemos o nosso novo amigo?
1. França e Haiti[1]
A história escrita pelo Ocidente sobre o Haiti começou coma invasão europeia de 1492 (Cristóvão Colombo em nome da Espanha), depois cedida a França, até 1804 quando, sob o comando de um General Dessalines, a independência de Haiti foi proclamada. Uma independência que não foi reconhecida pela França, Estados Unidos e Reino Unido por mais de quarenta anos.
Com efeito, em 1825, o Rei da Franca enviou uma expedição militar para tentar re-subjugar Haiti, a qual foi derrotada. Seguiu-se um bloqueio econômico que forçou o então Presidente de Haiti (Boyer) a um tratado que finalmente reconhecia a soberania de Haiti, em troca de uma indemnização colonial de 150 milhões de Francos, mais tarde reduzidos a 90 milhões (equivalente a $31 biliões ao câmbio de hoje).
Assim, até 1900, cerca de 80% das despesas de Haiti representavam pagamentos da dívida colonial a França, e para o conseguir, o país teve de se endividar seriamente e ainda por cima junto dos mesmos países que o não reconheciam. Esta dívida colonial odiosa foi liquidada por inteiro só em 1947 (122 anos!) e permitiu a França erguer uma torre chamada Eiffel em Paris. Pode-se assim entrever como a dívida colonial constituiu e constitui o grande impedimento ao desenvolvimento de Haiti[2]. As relações com os países do hemisfério foram sempre muito difíceis. Em 1889 por exemplo, os Estados Unidos tentaram forçar Haiti a aceitar a implantação de uma base militar na ilha (em Mole Saint Nicholas), mas isso foi rejeitado pelo então Presidente Hipólito. O resto e uma história onde os interesses americanos continuaram a decidir e a interferir na política de Haiti. Até hoje.
2. França e Nigéria: Biafra[3]
A história do Biafra, tal como contada pelos órgãos de comunicação dominantes, foi uma guerra interna entre Nigerianos. A coisa foi muito mais complicada e mais feia do que se conta oficialmente. Qualquer pessoa pode ainda hoje conversar com os Generais Theophilus Danjuma, Yakubu Gowon, Olusegun Obasanjo, todos vivos e em boa saúde e que foram determinantes no fim da guerra do Biafra. Danjuma foi o terror dos mercenários que apoiaram a guerra do Biafra. O que procurava a França, através da ELF-Aquitaine (hoje rebatizada TotalEnergies): o controle do petróleo na África Ocidental, do Congo Brazzaville ao Gabão, à Nigéria e toda a costa ocidental. Até hoje, fazem-se voos diários de Paris para Port Harcourt capital do Estado de Rivers, no delta do Rio Níger (centro da zona que ainda muitos Nigerianos chamam de Biafra). Quem financiou e armou os separatistas que causaram mais de 3 milhões de mortos? No centro destes financiadores estava a França, a mesma que por razões de limpeza da consciência criou a MSF (produto do Biafra) em 1971 (Bernard Kouchner). Portanto, não tem nada a ver com a narrativa que por exemplo a BBC nos quer inculcar[4].
3. França e Mali/Burkina Faso
Durante as operações militares francesas ditas de combate ao terrorismo nestes países, o exército nacional do Mali fora impedido de entrar em Kidal pelas forcas francesas. Logo que o exército Francês foi expulso, e as forcas das nações Unidas também foram solicitadas a sair do país, não levou um mês para que o exército nacional recuperasse aquele espaço territorial[5]. Kidal é a entrada para a zona saeliana onde existem potencialidades de riquezas do sub-solo que a França queria a todo o preço monopolizar, estacionando as suas forcas de forma permanente.
De forma semelhante, para enfraquecer o estado Burquinabê, a França cooperava com o exército nacional através de um contingente Francês que controlava o fornecimento de armamento ao exército nacional, impedindo-o de agir através do fornecimento de uma espingarda para cada grupo de 4 soldados. O contingente militar da França procedeu à destruição do material logístico militar antes de abandonar Burkina Faso e Mali.
4. França e Níger
Ninguém ignora a virulência com que a Franca se opôs ao golpe de estado no Níger este ano, incluindo através de pressões sobre a cimeira da CEDEAO. Trata-se de recursos tais como o uranio e o gás: primeiro a recusa do exército francês de sair do país, tendo-o feito por constrangimento popular. Até à recusa do embaixador de sair dum país que lhe retirou a acreditação. A petulância Francesa estava fundada num apego afincado ao acesso fácil aos recursos energéticos: de fato, a Franca comprava o kilo de uranio ao Níger por 0,8 Euros, enquanto se vende no mercado oficial a 200 euros o mesmo quilo. A história já virou.
5. França e África
Não precisamos de nos delongar na descrição do que se chama Françafrique, basta dizer que o controle dos recursos, do comercio internacional dos países de expressão francesa, incluindo o controle de portos e recursos naturais, é assegurado pela presença de uma força de dissuasão militar. Esta tática faz com que o diálogo entre estes países e a França seja apenas um monólogo dos interesses franceses, condicionados por empresas daquele país. Nestes países, a França tem direito de primazia sobre contratos públicos e explorações económicas. Os países assim dominados pelos interesses franceses não podem por exemplo escavar o seu subsolo para além de doze metros de profundidade sem primeiro pedir autorização da Franca. Enfim, toda a questão da moeda CFA e das relações económicas de dependência: O FMI não pode tomar decisões com estes países sem consultar a França! E toda uma ladainha de dependências que nos deve fazer refletir.
6. França e Moçambique
Será a França ou as empresas francesas apoiadas pelo estado Francês, as melhores parceiras de Moçambique? Que esperamos destas empresas além da exploração e financiamento da indústria extrativa? Que sabemos nós das manobras e intenções francesas, uma vez que não vivemos o colonialismo francês?
O gás de Cabo Delgado[6] e a Barragem de Mpanda Nkuwa são as duas grandes explorações energéticas nas quais implicamos empresas Francesas de grande vulto e que tem o apoio firme do aparelho de estado Francês.
Não se contesta mais que onde há recursos, há insurgência quase automaticamente. Que todos passamos a chamar de terrorismo por preguiça intelectual e cobardia política. Tentar resolver a insurgência apenas militarmente tem muito que aprender com o Mali, Burkina Faso e Níger na África Ocidental. Ela prova mais do que suficientemente que não existe insurgência, mas sim grupos financiados por interesses coloniais e económicos estrangeiros para quem, a fragilidade do estado é uma vantagem que se deve prolongar. Assim, o não reforço das forcas nacionais de defesa e segurança de Moçambique continuará a justificar uma presença militar estrangeira, que a França e os interesses franceses poderão utilizar para se afastarem do estado moçambicano. Continuando assim a explorar de forma barata e desenfreada os recursos deste país, nós não tendo capacidade de ir ao alto mar, medir e inspecionar quantidades de gás exportadas. O que impedirá uma tentativa de separatismo como forma de privatizar o gás, fazê-lo mais barato e só vir a beneficiar Moçambique o mais tarde possível? A guerra é hoje o pretexto para renegociar as condições do contrato do gás, onde o investidor tem a capacidade de fazer chantagem para prolongar a extração sem dever de incrementar as taxas e impostos de exploração devidos ao estado Moçambicano.
É a mesma TotalEnergies a quem outorgamos um contrato de construção de Mpanda Nkuwa.
Em conclusão, eis as minhas quatro mensagens para os órgãos centrais de soberania:
Ninguém vem nos ajudar, não se importariam se todos os negros morressem, desde que tenham acesso in interrupto à energia para os seus países. Cabe-nos a nós a perspicácia.
Denominador comum de guerra e instabilidade: ENERGIA. Líbia: petróleo. Síria: petróleo: Iraque: Petróleo. Níger: uranio e gás. Nigéria: petróleo e gás que passa pelo Níger para o mercado Europeu via Argélia. Moçambique, gás.
Não se trata de não trabalhar com a França, trata-se de reconhecer que os nossos interesses não coincidem. É que se não formos mais afincados na defesa dos nossos interesses perante empresas acostumadas a este tipo de negociações complexas, e portanto, ter em mão uma equipa aguerrida e informada nas negociações, não teremos ninguém para quem lançar aas culpas. Em particular, contratos sem datas de término nos parecem muito mal-avisados, com o são com a presença do exército do Rwanda. Instrumento da Franca, da Europa e de outras potencias neocoloniais dominadoras[7].
O povo Moçambicano tem o direito de esperar que os seus interesses sejam defendidos na mesa das negociações por equipas competentes dos órgãos de soberania, e que daqui a vinte anos este gás poderá ser controlado por técnicos Moçambicanos. E que daqui a trinta anos, Mpanda Nkuwa não continuará a pertencer a TotalEnergies!
Jose
Dezembro de 2023
Kommentare