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SOBERANIA - CONCEITO PILAR PARA O MEU PAIS

  1. Não haja dúvida que o nosso continente se libertou do colonialismo.


  2. Nem haja dúvida que as potencias ex-colonizadoras - A Europa (a América e a Ásia) - compreenderam que não podem viver sem os recursos de África.  Precisam de manter a Africa incapaz de utilizar e transformar os seus recursos estratégicos: inundando o mercado de produtos de segunda mão, desde viaturas e maquinaria, até roupas – baratas e que desencorajem pelo preço a produção local.


  3. Tão somente haveria dúvidas de que, compreendendo que o colonialismo é hoje inaceitável, o antigo colono compreendeu também que para continuar a dominar o espaço Africano, precisava de três coisas:

a.       Primeiro, passar pelos dirigentes Africanos e dar-lhes a impressão de que o padrão de vida, de comportamento e de lei superior, é o Ocidental.  Copiar o Ocidente deve ser a aspiração dos dirigentes Africanos.  Nem que para isso seja necessário financiar e oferecer bolsas de estudo para inculturação e reprodução da elite dentro da família do dirigente[1].

b.      Segundo, sem precisar de colonizar e ocupar o país, manipular o ego do dirigente Africano para dar a impressão de soberania.  Basta satisfazer-lhe as necessidades materiais pessoais e de sua família, elevar o seu estatuto.

c.       Terceiro, através de instituições financeiras internacionais por eles criadas, criar também a aspiração pelo financiamento internacional – o famoso clima de investimentos estrangeiros - regido por leis inventadas no Ocidente, o qual cria por sua vez uma dependência cíclica perpetuável.

d.      Por último, se estas astúcias não fossem suficientes, uma última astúcia seria: a criação do terrorismo e da subsequente necessidade de forças estrangeiras para vir combater o tal terrorismo, por eles financiado (pôr fogo no vizinho e depois apresentar-se como bombeiro para ajudar a apagar esse fogo).  Se não nos cuidarmos, estas forças estrangeiras se perpetuam até que sejam expulsas de forma conflituosa, como foi o caso das forças francesas no Mali, no Burkina Faso, no Chade e no Níger (francesas e americanas).


Nesta altura, propomo-nos discutir o terceiro ponto, com base nos recentes acontecimentos no Níger.  Interessa-nos alertar Moçambique para a possibilidade muito patente de se encontrar na mesmíssima situação.  Pois Moçambique é um país detentor de recursos energéticos cobiçados pelo Ocidente, agora que a energia russa lhes foi embargada, e que vivem da energia Americana, cinco vezes mais cara.


Assim, a União Europeia passou a olhar par a África como solução para a crise energética que a situação de guerra no seu continente produziu.  E que continuam a alimentar com a propaganda de uma “invasão russa”.  Invasão essa que a Rússia não contempla, e que até não seria estratégia de comandantes Russos experimentados e altamente inteligentes, olhando para a forma como a guerra na Ucrânia foi evoluindo desde o princípio.


Enfim, como alternativa, a Europa esteve contemplando um canal trans-sahariano que levaria o gás da Nigéria, através do Níger e da Argélia, para desembocar na Europa.  Contudo, o canal está bloqueado porque o Níger não autoriza a sua construção no seu território, depois dos diferendos sérios que este país teve com os países europeus, em particular a França, e com a CEDEAO.


Ansiamos que os acontecimentos que vamos narrar sobre o Níger, sejam uma lição para Moçambique: a inteligência e afinco com que a Europa vai defender o seu interesse energético, onde esta Europa já tem o pé fixado, devem incitar-nos à prevenção, devem manter-nos muito alertas.


NIGER: Com efeito, houve vários diferendos entre a República do Níger e a Franca, pela destituição em Julho de 2023 do presidente Bazoum, que servia os interesses franceses.  Incluindo toda a saga do Embaixador da França que se recusava sair do Níger depois de ter sido declarado Pessoa Indesejável, a pretexto teimoso, colonialista e não diplomático de que ninguém tinha autoridade de lhe expulsar do Níger (até a água do Rio Níger pertence à Franca, dizia ele).


Depois de várias ações de restabelecimento da soberania nacional, incluindo a expulsão de forças militares Europeias, Americanas e Francesas, em Janeiro de 2024, o Níger decidiu nacionalizar as minas de urânio que alimentavam a França quase de forma grátis: a França extraía e pagava o kilo de uranio no Níger a 80 centavos do Euro e vendia no mercado Europeu a 200 Euros o mesmo kilo.


Com o conflito da Ucrânia na Europa e o custo da energia subindo seriamente, a França teve que fechar seis das suas centrais nucleares.  Diz-se que na França, em cada três lâmpadas, uma é alimentada pela energia extraída do Níger[2], enquanto que no Níger, a energia eléctrica apenas abrange 10% da população.  Tendo vivido lá, nós podemos confirmar.[3]  Foi assim que, no sentido de reforçar a sua soberania sobre os recursos naturais do país, o Níger acabou nacionalizando as minas de urânio[4].  Uma verdadeira luta implacável contra um neocolonialismo que durou desde 1960, ano de independência deste país.


Fica claro que a Franca, acostumada durante décadas a uma relação quase colonial com as suas ex-colónias, através de uma política  racista, exploradora e genocidária (Haiti, Guiné e outros países Africanos, Nova Caledónia) não ia perder a sua influência e o seu pão gratuito sem fazer guerra.  E guerra o faz ao apoiar o terrorismo no Sahel. E através de instrumentos mediáticos tais como Jeune Afrique, RFI e outros que vão sendo inventados.  É que a França não só perdeu o acesso fácil aos recursos naturais estratégicos no Níger, mas também no Mali e no Burkina Faso, onde explorava ouro e por onde a Air France fazia o seu dinheiro fácil como de terra nullius se tratasse.


Para além de todas as medidas hostis que foi adoptando, incluindo através de países vizinhos como o Benin e a Cote d’Ivoire, a França recorreu em última instância à justiça internacional, uma justiça criada pelo Ocidente, para fazer prevalecer os seus interesses sobre o urânio nigerino.  Depositou um pedido de embargo da comercialização do urânio que a sua empresa, Orano, detinha no Níger.  A 23 de Setembro de 2025, a França ganhou causa no International Centre for Settlement of Investment Disputes, um tribunal que faz parte das estruturas do Banco Mundial[5].  Assim, 1.500 toneladas de urânio nigerino se encontram paralisadas em armazéns.


Já escrevíamos nós num artigo de Novembro 2023[6]:


CITAÇÃO

Todas as partes interessadas no gás de Cabo Delgado continuam a passar em silêncio a questão de melhor participação nacional, questões de conflito de interesses e o não aproveitamento destes empreendimentos para desenvolver um empresariado nacional experimentado.

 

Que tem este historial do gás a ver com a relação entre o povo e o estado? Tudo (teríamos dito: o sentido de soberania).

  1. Em primeiro lugar, que o estado se prepare para um assalto negocial vigoroso destas empresas que foram obrigadas a invocar a Force Majeure, e que utilizarão esta suspensão para obter mais concessões e para diferir para ainda mais longe os desígnios de Moçambique de beneficiar de melhores condições contratuais sobre os seus recursos naturais.

  2. Em segundo lugar, Cabo Delgado pode ser outro Biafra. O estado deve estudar o comportamento histórico dos seus parceiros e exercer vigilância. Eu trabalhei na Nigéria e fiquei com o claro sentido de que a história do Biafra foi branqueada, mal contada e cujos efeitos nefastos ficaram atribuídas apenas a forças internas: ao Coronel Odumegwo Ojukwu, contra o General Obasanjo e outros atores militares nacionais. O que fica por narrar é que a França, não só apoiou os rebeldes, mas tinha desígnios territoriais sobre a zona petrolífera (Delta State). Nem seria novidade para ninguém que a MSF foi criada como resposta a esta guerra, uma forma de branqueamento da consciência dos intentos coloniais da França.

  3. Em terceiro lugar, a salada russa criada pela presença de diversas forças militares em Cabo Delgado não nos faça esquecer que nenhum exército estrangeiro pode resolver um problema nacional, seja lá donde for. Urge, portanto, que todas as forças estrangeiras declarem a sua estratégia de saída, ou sejam constrangidas a tal pelo estado Moçambicano. E que o estado Moçambicano optimise a presença militar estrangeira para o reforço da sua capacidade, afim de reafirmar/repor a sua soberania territorial.


3. Discussão

Gostaríamos de começar as nossas considerações e argumentos por chamar a atenção dos nossos dirigentes, do nosso estado sobre as relações internacionais desiguais que se fazem sentir no momento em que um país Africano quer reafirmar a sua soberania sobre os seus recursos naturais. É aí que a armadilha é despoletada, demasiado tarde e de forma conflituosa irreversível (e danosa, teríamos dito). Então entra em jogo um artigo que normalmente não temos tempo para ler, mas que faz parte de todos os contratos de exploração transnacionais.


“Em caso de disputa, o contencioso será resolvido por recurso a Centro Internacional de Resolução de Conflitos sobre Investimentos, o International Centre for Settlement of Investment Disputes.” 


Tudo parece lindo até se chegar a esta instância, que, em primeiro lugar, se exprime num Inglês trabalhado e intencionado para intimidar e atrapalhar, e em segundo lugar, segue uma lógica legalista determinada por interesses ocidentais. Nesse contexto, os acordos com Moçambique rezam: (Documento do Banco Mundial)


Arbitration between the State of Mozambique and foreign investors shall be conducted in accordance with:

  • the law that governs arbitration, conciliation, and mediation as alternative methods of conflict resolution;

  • the rules of the International Centre for the Settlement of Disputes between States and Nationals of Other States (“ICSID”), adopted in Washington on March 15, 1965, or pursuant to the Convention on the Settlement of Investment Disputes between States and Nationals of Other States;

  • the rules set out in the ICSID’s Additional Facility adopted on September 27, 1978 by the Administrative Council of the International Centre for Settlement of Investment Disputes between States and Nationals of Other States, whenever the foreign entity does not meet the nationality requirements provided for in Article 25 of the Convention; and

  • the rules of such other international instances of recognized standing as agreed by the parties in the concession contracts referred to in this Law, provided that the parties have expressly defined in the contract the conditions for implementation including the method for the designation of the arbitrators and the time limit within which the decision must be made.


Afim de não diluir a mensagem, não traduzimos este texto que nos liga ao capital internacional na resolução de conflitos sobre os nossos recursos. Nossos recursos, leis estrangeiras. A longo prazo, devemos quebrar estas algemas todas. Quem nos abre o caminho?


A esse propósito, o Centro de Integridade Publica (CIP), através da publicação do seu relatório de Novembro de 2022 intitulado Avaliação dos Riscos de Corrupção na Cadeia de Valor de Petróleo e Gás em Moçambique, aponta já para a indústria do gás como uma vasta área de riscos de corrupção. E para que esta corrupção seja possível sem entraves, as instituições constituídas por lei para velar pelos interesses nacionais são elas próprias o berço do conflito de interesses, primeiro pela sua própria constituição, senão vejamos:

  • O ministério de tutela é a entidade que elabora e influencia a lei;

  • O mesmo Ministério passa a ser signatário de contratos que ele deve monitorar e sobre os quais devia exigir cumprimento por parte de empresas estrangeiras, ou seja o mesmo Ministério deve exercer monitoria do cumprimento de contratos dos quais ele é uma parte interessada (ou seja árbitro e jogador).


Existe aqui claramente uma contradição que enfraquece várias instituições. Apesar de não surpreender, fica claro que é urgente a diferenciação entre as atribuições do estado (Assembleia da República) e do governo (Conselho de Ministros). Só assim é que os grandes empreendimentos estrangeiros poderão servir a nação. Esta relação estado-governo/partido carece de clareza. E deixa aberto um campo de corrupção que debilita a nação, por não escutar a voz do povo e fazendo do governo uma entidade que não vê necessidade de prestar contas a ninguém.

FIM DE CITAÇÃO


Na distração pelo acesso aos benefícios decorrentes dos recursos abundantes de Cabo Delgado, chegará o dia em que Moçambique, desprevenido, surpreendido e mal preparado, acabará por se encontrar nos corredores do Banco Mundial, hoje seu aliado, amanhã como acusado e convocado, enquanto o Banco Mundial tomará partido pelo capital internacional seu gémeo, no mesmo International Centre for Settlement of Investment Disputes.  É com essa certeza que a TotalEnergies continua com manobras dilatórias a pretexto da guerra em Cabo Delgado.  E se for uma guerra sobre a qual dirigentes Moçambicanos têm influência, então saibam eles que este será o tipo de fim da conversa com a TotalEnergies.


É um alerta de quem já fez esses corredores, hoje amigos, amanhã irreconhecíveis.  Conhecemos e trabalhamos no Níger, no Mali e no Burkina Faso; foi assim que conhecemos, compreendemos e comiseramos com o tamanho da miséria que estes povos estão hoje combatendo.  Conhecendo a persistente cultura colonial Francesa (Haiti, Guine, República Centro-Africana, etc.), podemos dizer de forma cogente que até estes povos conseguirem impor o seu direito de primazia sobre os seus recursos naturais,  vai “jorrar sangue” (perdoem a expressão maligna emprestada).

Canhandula

Tete, 09 de Outubro de 2025


[1] O assassinato deliberado da qualidade de educação pública destina-se a oferecer o monopólio do poder aos filhos dos que já tem poder, recrutas do capital internacional através de uma educação exclusiva no estrangeiro.

[3] o Níger foi o segundo maior fornecedor de urânio à União Europeia em 2022. Para a França, em particular, o Níger representa 15 a 17% das importações recebidas nos últimos dez anos.

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