Ditado: trate da sua alimentação como medicamento, se não quiser acabar por tratar de medicamentos como sua alimentação.
A. O tema
Tenho hoje 67 anos e estou reformado, o que quer dizer que em 2011 eu tinha 55 anos. A que propósito vem 2011? A ver vamos já. Pois no ano 2011 fui submetido a um exame médico completo no hospital Aga Khan de Nairobi, em preparação para uma transferência de Nairobi para Freetown. Era um ritual de dois em dois anos, exigido pela minha organização, parte de uma relação entre mim e a companhia de seguro de saúde das Nações Unidas, na altura meu empregador.
Era um exame médico bianual de rotina. Entretanto, o relatório médico resultante desse exame não tinha nada de rotina. Pela primeira vez o médico chamou a minha atenção para o fato de que tinha três condições de morbidade: tensão arterial alta, colesterol e diabetes. Aprendi que uma condição vem atras da outra e nunca sozinha. O diabete estava particularmente agudo a 27 Mmol (o normal seria entre 4,5 e 6). Não preciso de dizer que a partir desse momento, passei a compreender certos termos clínicos relacionados com estas condições. Submeteram-me a um regime alimentar e medicamentoso e propuseram-me certas mudanças no meu estilo de vida. A partir desse momento, achei que nós devíamos conhecer muito mais cedo certas verdades sobre a saúde. Mais tarde vieram outras revelações. Com esta experiência difícil, e quando chegou a minha altura de poder tomar decisões sobre uma equipa posta a minha disposição, passei também a preocupar-me pela saúde dos membros da minha equipa. Tomei assim decisões no Chade (312 membros da minha equipa) e na Nigeria (201 membros da minha equipa) para melhorar as suas condições de trabalho: o escritório comprou proteção ocular para todos os écrans de computadores, adquiriu mesas de trabalho ajustáveis, que permitiam a cada trabalhador ficar de pé ou trabalhar sentado. E para sentar, comprei bolas ortopédicas e para quem decidisse sentar-se de maneira mais saudável. O resto, fica claro, seria à decisão e à consciência de cada um.
Acabei por me habituar a duas coisas para o controle da minha condição mais preocupante, o diabete: exercícios e medicamentos (metformina) todos os dias da minha vida, até me cansar. Enfim, para o resto da minha vida. Acabei por me habituar, mas continuo a pensar que o meu fígado um dia vai reclamar e sucumbir, cansado de tanto produto químico. Se o meu fígado sucumbe, o que resta de mim? Do pouco que eu sei, nada! Mas até lá, estou decidido a trabalhar.
Por que diabos então eu continuarei a persistir no meu comprimido diário de metformina? Porque não tenho alternativas, ou não as vejo. Mas será mesmo que antes da invenção da metformina, os nossos antepassados não tratavam do diabete, mesmo que talvez se chamasse outra coisa? Não pretendo dar aqui uma resposta, mas sim levantar um debate e provocar curiosidade a fim de promover o espírito de iniciativa e inovação.
No ano 2019, ou seja, oito anos mais tarde, passei a viver com uma condição de aperto de nervos na coluna com efeitos de dores na perna direita, que se chama ciática. Mais uma vez foi-me revelado que a minha vida de escritório e as minhas posições sedentárias prolongadas estavam por detrás de uma deformação dos discos intersticiais da coluna, que acabaram por apertar o nervo que desce para a perna. Ao longo do tempo, visitei um hospital Turco em Abuja, e o Aga Khan em Dar-es-Salaam. Acabaram por indicar que eu tinha deformações nos discos lombares de tal modo que a única solução seria uma operação cirúrgica. Fiz tratamentos de fisioterapia e de quiropraxia que não deram muito resultado positivo. Aí, com cobertura do meu seguro, decidi ir à Índia para uma cirurgia lombar que não me atrevia a fazer na Tanzania, e menos ainda em Moçambique. Contudo, tive deceção ao constatar que o hospital que escolhi não foi dos melhores em termos de comportamento deontológico do cirurgião, que não só multiplicou a fatura inicial por dois, levando o meu seguro a retirar a autorização de pagamento, mas também porque na fatura vinha menção de implantação de metais na minha coluna, coisa essa que não fora discutida ou acordada comigo. Não ia admitir a inserção de metais estranhos sem meu consentimento. Por isso me afastei rapidinho desse hospital.
Diga-se de passagem, eu fui à Índia com o espírito aberto a uma intervenção cirúrgica eventual. Minha esposa estava totalmente contra a ideia. Infelizmente, a escolha do hospital não foi das melhores decisões que eu tomei, porque o processo não correu como esperávamos. Os desencontros no hospital nos levaram apensar se seria mesmo inevitável uma cirurgia, minha esposa se pôs à procura de alternativas, uma vez que estávamos já num país com muitas opções. Procuramos opiniões de três clínicas e acabamos numa clínica de acupunctura, a primeira vez que me submeti a tal serviço. Fiquei em tratamento durante duas semanas, duas sessões por dia. Ao sair da Índia, a médica sugeriu um tratamento de acupunctura de mais dois meses. Na Tanzania, minha esposa organizou sessões de reflexologia e exercícios que vão continuar. Estou ligeiramente melhor e procuro melhorar ainda mais.
B. Aonde quero chegar com esta lucubração?
A medicina ortodoxa dependente de uma indústria farmacêutica ocidental cada vez mais cara cria uma relação de dependência inevitável entre o médico (consulta médica 1.700 meticais), o serviço hospitalar (custos variáveis) e a farmácia (metformina Mt150/comprimido/dia, ou seja, por mês, 3.825MT) com duas vertentes não muito saudáveis, a saber:
O custo para uma pessoa não assegurada em Moçambique não é suportável, em particular se estiver na reforma. Como fazer para que o Moçambicano possa viver uma vida condigna, aceder aos serviços de saúde sem empobrecer e morrer condignamente em idade bem avançada? Por outras palavras, que fazer para que o Moçambicano não recorra ao hospital só quando esta nas ultimas e quando todas as outras tentativas não resultaram em melhoria nenhuma? Ou ainda: que situações são essas, que deixam a pessoa pobre recorrer a um hospital que não perdoa, só para morrer prematuramente?
O médico, que só pode prescrever o que existe na farmácia ao lado, acaba por ser um técnico escravo da farmácia, e como a farmácia é outra forma de fazer dinheiro, ele pensa: o que lhe impede, com todo o conhecimento que tem, de abrir uma farmácia também? E nessas condições, como não canalizar o paciente para a farmácia? Sobretudo se as condições salariais não forem favoráveis ao médico!
Pretendo chegar às seguintes conclusões relacionadas, para que quem de direito e quem tem poder pegue nelas, avalie a sua pertinência e avance, para fazer de Moçambique um país protetor da sua população: A saber:
Necessidade de massificação do seguro de saúde: não se deve deixar o povo decidir por si de se assegurar ou não. Deve haver um esforço nacional global para a proteção sanitária, não só dos Moçambicanos, mas também e se possível, de todos os estrangeiros em território nacional. Todo o ser humano deve sentir-se protegido em Moçambique, independentemente da sua condição de migração e da sua condição social e monetária. Evitar sobretudo para os reformados, o custeamento de despesas hospitalares diretamente a partir do bolso.
A educação sobre a saúde preventiva deve ser um lema de todos os empregadores, públicos governamentais e privados, incluindo a promoção de sessões de ginástica massiva e de intervalos sanitários legislados, assim como a promoção da proteção dorsal dos que trabalham sentados por períodos prolongados. O corpo pode e deve ser o primeiro recurso para curar o corpo.
A saúde preventiva deve ser uma disciplina primordial dos estudantes de enfermagem. Mais esforços na prevenção e na promoção do enfermeiro da família ou da comunidade reduzira imensamente os custos de manutenção da saúde da família.
A investigação laboratorial e a promoção da medicina dita tradicional, melhor ainda, medicina natural baseada nos recursos florestais naturais e a combinação propositada e dirigida desta medicina com a medicina ortodoxa. Que o Médico possa prescrever não só a droga da farmácia, mas também remédios naturais, suplementos e alimentação.
Indústria da saúde na India: para além de uma indústria ocidental, dependente de produtos químicos e de uma indústria farmacêutica que dita os termos de referência e de trabalho do médico, existe também uma indústria de saúde muito desenvolvida baseada em produtos naturais, dos quais trouxemos alguns, que não são medicamentos no sentido tradicional do termo: eles tem o cuidado de escrever no rótulo da embalagem que não se trata de medicamento mas sim de suplementos. Entretanto, esta indústria é milenar e inspira-se no conhecimento botânico coletivo. Apresento aqui alguns desses medicamentos (Natural Medicines Made in India), cada um com a lista dos seus componentes. Tive também o tempo de procurar informação sobre cada um dos componentes e apresento-os como um botão que o leitor pode ativar e visualizar diretamente na internet para conhecer a origem natural (mormente botânica) das componentes.
Conteudos naturais de medicamentos Indianos
Conteúdo do medicamento VALVOP
Conteúdo do medicamento LIVEXO
Conteúdo do medicamento ZUKERO
Conteúdo do medicamento MAHAVISHGARBHA
Sesamum indicum oil (Óleo Cosmético)
Conteúdo do medicamento MOBIJOINT
Conteúdo do medicamento PROTOFIX
Sesamum indicum (Óleo Cosmético)
Eu também trabalhei cerca de oito anos na Tanzânia, e casei-me naquele país, e por essa via conheço um pouco da cultura Tanzaniana. Para alem da cultura social e de sociabilidade natural dos Tanzanianos, eles também tem uma industria farmacêutica natural muito desenvolvida. Infelizmente, a tendência dos médicos e dos hospitais de seguirem a medicina ocidental, baseada e controlada pela indústria farmacêutica, faz com que o esforço de desenvolvimento do conhecimento farmacêutico da flora Africana não se desenvolva para além de pequenos círculos que praticam, não pelo dinheiro, mas como alternativa mais barata para famílias sem dinheiro, alternativa acessível por sugestão de amigos ou familiares em desespero. Não devia ser assim. Por exemplo, durante a pandemia da COVID, a minha família sobreviveu e mais do que sobreviver, atravessou a pandemia com tratamentos naturais de infusões de folhas, e de um produto de eucalipto (buyegi), bastante agressivo e eficaz.
C. Conclusão
Países como a Índia e a China tem uma indústria de saúde muito diversificada e não prisioneira da indústria farmacêutica ocidental, embora a pratiquem e a tenham bem integrada. O tratamento natural, chamado tratamento do corpo através do corpo (acupunctura, fisioterapia, reflexologia, ioga, dieta alimentar) são muito desenvolvidos e bem integrados na pratica médica e Moçambique pode aprender muito destas experiências, e pode também fazer a integração entre a medicina tradicional e a ortodoxa, afim de tornar o tratamento médico e a visita ao centro de saúde baseados mais sobre os nossos recursos, valorizando o conhecimento coletivo da natureza e trazendo este conhecimento para a solução dos nossos problemas de forma mais acessível.
O médico que se relaciona com o paciente ao nível emocional contribui grandemente, diria mesmo, quase 20%, para o sucesso curativo do paciente. Esta foi também uma lição que trouxe da Índia. Infelizmente, muitas vezes senti que o médico em Nairobi e Dar-es-Salaam não me tocava nem me queria tocar, deixando isso à maquinaria, e que só o fazia em situações extremas. Esta distância entre o médico e o paciente é uma lacuna deontológica de grandes proporções e que tem impacto na decisão do doente de ir ou não ao hospital, ou ir somente em “extrema unção”.
Penso eu que a nossa medicina deve libertar-se da ortodoxia e da exclusividade dos medicamentos da farmácia tal como a conhecemos, para poder explorar vias naturais de regeneração da saúde para o povo. Investigar e incentivar a elevação do conhecimento anatómico, biológico e botânico do pequeno praticante de medicina tradicional no Distrito. Nesse sentido, a Província e o Distrito empossados e empoderados podem jogar um papel promocional importante. Uma descentralização do pensamento e da iniciativa deve ser promovida pelo centro do poder em Maputo, sem a qual, a iniciativa e a invenção continuarão tolhados pelo centro.
Que haja uma relação mais sã entre os serviços de farmácia e da saúde. Só o desenvolvimento de tratamentos naturais alternativos pode fazer com que a saúde não seja refém da farmácia.
Antonio Jose Canhandula
Tete, Setembro de 2023
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