A Contribuição dos Estrangeiros no Tecido Social de Tete
Escolhi este tema por três razoes:
A primeira, inteiramente egoísta: estou casado com uma estrangeira (tanzaniana) que vive comigo em Tete, agora que estamos reformados da função publica. Um pouco de romantismo. Também temos dois filhos no Canada, uma filha em Kinshasa e outra na Tanzânia. Como eles escolheram esses países como seus, que esses países os acolham plenamente e sem discriminação e exclusão do gozo dos seus direitos humanos.
A segunda e mais na linha do trabalho e das funções que exerci durante mais de trinta anos nas Nações Unidas, mais precisamente no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, onde aprendi, apreendi, vivi, senti e trabalhei sobre várias questões de ódio e exclusão humana, umas mais dramáticas do que outras.
O ostracismo de pessoas diferentes de nós leva a humanidade a extremos de xenofobia, racismo, resistência ao que e diferente das nossas vivências culturais, violência e até a chacina de pessoas inocentes que apenas emigraram para procurar melhorar a sua vida num país que não é o seu. De repente, a sociedade não os protege. O que se passa na Africa do Sul, onde Moçambicanos e outros Africanos são mortos perante a indiferença total das autoridades, por Sul-Africanos negros que pensam que vamos lá para roubar o que lhes pertence. Esqueceram-se que a riqueza da África do Sul, as grandes construções impressionantes, etc foram o suor e o sangue, a humilhação e o trabalho duro de milhões de Moçambicanos arregimentados pela WENELA[1], de Malawianos nas minas de ouro e carvão daquele país. Muitas viúvas Moçambicanas e órfãos a Sul do Save tem história por contar.
Um racismo invertido contra nós os não SulAfricanos, alimentado por uma media ocidental que promoveu a África do Sul como um país excecional em África. Uma espécie de país à imagem do branco dirigido por Africanos que também se querem assemelhar aos brancos, legado colonial, pobreza de espírito, escravatura mental efeitos do apartheid. Eles podem bem vir aprender a convivência internacional (melhor, transnacional) em Tete.
Esta é na realidade a minha mensagem central: para nós Africanos as fronteiras não condizem com as nossas origens e culturas e proponho que encaremos a migração de forma positiva. Regularizada, ela representa uma simbiose onde todos podemos ganhar. Apesar de tudo, eu próprio, como muitos em Tete, sou produto de migração dos Zulu da África do Sul que fugiram dos excessos cruéis de Shaka Zulu, atravessaram o Botswana, o Zimbabwe, a Zâmbia, atravessaram o Rio Zambeze e foram pelo Malawi até a Tanzânia. A Norte do Zambeze, a tribo Zulu (ou Ngoni) também deixou rastos, de onde eu sou original. Na realidade, sou bisneto de um soldado Zulu com uma mulher conquistada das aldeias da Angónia que foi feita prisioneira e escrava. História contada por meu avô Canhandula (Kanyandula). Somos todos um pouco assim: e para cúmulo da história, acabei casando-me com uma Tanzaniana, também filha de um chefe Ngoni (chamados Matengo no Sul da Tanzania). WaMatengo significa pessoas que vivem no meio das árvores (mitengo em Nyanja).
Francamente, daqui a mais cem anos, não existirá uma etnia que não seja misturada. Nem nas tribos de África, nem nas tribos da Europa. E este é o medo dos Europeus. Pedimos aos nossos dirigentes que não permitam que os Europeus imponham a sua política em nós e que eles não transfiram o seu medo para a África, obrigando-nos a gerir as fronteiras como eles gerem as suas. Senão, acabaremos por rejeitar o nosso irmão de sangue!
Solidariedade humana, um dos pilares da doutrina social da Igreja Católica a que pertenço, mas que certamente encontra eco noutras Igrejas e Mesquitas.
A terceira razão é a contribuição económica do estrangeiro em Tete.
Tete é uma Província que faz cotovelo com o Zimbabwe, o Malawi, a Zâmbia. É natural por isso que, apesar do controle de fronteiras, a província é um mosaico de nacionalidades. E acho bem. A fronteira não deve dividir, mas sim individualizar. A migração não deve ser um constrangimento e uma barreira, mas sim um instrumento de ordenamento territorial e de facilitação de intercâmbios. Estás no meu território? Então, convido-te a munir-te de uma identificação nacional pessoal válida, a registar as tuas propriedades segundo a lei municipal moçambicana, que tenhas ou compres um seguro de saúde (um dia falarei da proposta de seguro de saúde para todos, incluindo estrangeiros). Que o estrangeiro se sinta bem, e que contribua positivamente e sem constrangimentos. E se comporte corretamente, como aliás é o dever de todo o Moçambicano.
E dizer: parabéns Tete, pela maneira como tratas e integras o estrangeiro. Que estrangeiro? A lista não é exaustiva: Turcos, Nigerianos, Congoleses, Zambianos, Malawianos, Zimbabweanos, Tanzanianos, Burundeses, Somalis e Chineses. Para além de outras nacionalidades que podem estar mais representadas fora das comarcas de Tete e Moatize. Certamente há Portugueses e outros estrangeiros, a minha Paróquia é dirigida por dois Costa Marfinenses, e há também um Congolês. Depois, há os Indianos da indústria extrativa do carvão, da qual falaremos noutro artigo.
Dos Burundeses, Nigerianos e Tanzanianos conheço muitíssimas lojas. Aliás, a jusante da minha aldeia existe um círculo que se chama Banga, na Angonia (ou Tsangano?) onde dei de cara com uma família de Burundeses a gerir as suas lojas de produtos caseiros e agrícolas!
Na loja do Nigeriano, podemos obter peças sobressalentes de carro, caras ou baratas, dependendo do bolso. As mais caras são genuínas, mas se o bolso não atingir essas alturas, baixa-se o preço, baixa-se a durabilidade da peça. Eles próprios te dizem isso. E têm NUIT, portanto pagam impostos. Falam Português e se calhar também um pouco de Nyungwe, língua nacional.
Dos Turcos conheço supermercados de bons produtos, muitos deles infelizmente oriundos da África do Sul e a preços um pouco puxados.
Quer produtos de toda a espécie e mais baratos? Visite uma loja chinesa ou o supermercado frente ao Banco de Moçambique, ou perto dos bombeiros a caminho de Mpadwe. As lojas chinesas vendem mais barato. Mas também podiam merecer mais inspeção para se garantir que o que se vende é minimamente aceitável à saúde. Compramos moelas que não foram lavadas nem sequer limpadas por dentro (esta a ver o tecido branco duro de dentro da moela)? Estava tudo embrulhado e congelado e provinha de Mpumalanga (África do Sul). Inspeção, inspeção, inspeção sanitária! A nossa saúde merece isso como direito constitucional. A quem de direito/dever.
Quer encontrar-se com Tanzanianos, Zimbabweanos e Malawianos trabalhando no duro? Estão nas minas artesanais nos Distritos de Moatize e Marara (e certamente noutros também). Trabalho duro digo eu, mas que oferece emprego informal a milhares de outros Moçambicanos jovens que em vez de passearem ociosamente pelas ruas inóspitas de quente de Tete e Moatize, se encontram a cavar e a extrair riquezas da terra. Riquezas essas que beneficiam um pequeno grupo de citadinos de Tete e Moatize, trabalhadores não protegidos por nenhuma garantia legal no Distrito. Estão a ajudar a manter ativos muitos jovens que, não tendo habilitações formais, não teriam emprego de outra forma. Encabeçados, claro está, por um punhado de Moçambicanos com um bocadinho de mais recursos.
Qual é a minha mensagem?
Que o estrangeiro não é um mal, não é ameaça nenhuma e até encontram trabalho honesto de forma muito mais célere do que o Moçambicano Tetense. Portanto, posso dizer com toda a segurança que há muito pouco estrangeiro sem emprego em Tete. Do estrangeiro que te vem visitar diz-se que quando chega, és tu que o convidas a entrar em casa, és tu que indica onde ele se senta, e por isso, não pode constituir ameaça.
Num mundo com medo do estrangeiro, Tete representa no cômputo geral um exemplo de convivência positiva e pacífica com estrangeiros. Tendo eu próprio vivido e trabalhado em 12 países de África e Europa, Tete é um exemplo e é uma carta de visita em nome da nação moçambicana.
Que a exigencia de vistos entre países Africanos sejam abolidos,
Que o comércio entre países vizinhos seja encorajado através de redução ou eliminação de taxas, tarifas e outros impedimentos aduaneiros.
Com uma descentralização adequada da maquinaria de estado Moçambicano, Tete pode ser autónomo nalgumas destas decisões.
Como Tete, tantas outras Províncias deste país belo, imenso e acolhedor que comungam fronteiras (com a Africa do Sul, ESwatini, Zimbabwe, Zâmbia, Malawi, Tanzânia).
Desde que os países vizinhos sejam encorajados por quem exerce o poder, a seguir o exemplo!
O Africano é já odiado, humilhado e desprezado fora do Continente. Não deve sentir-se mal no sue próprio Continente por cima dessas vicissitudes todas. Tete pode ser um microcosmo do exemplo positivo.
Jose
Tete, Novembro de 2023
[1] chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.uj.ac.za/wp-content/uploads/2021/07/teba-the-origins-of-wenela-and-teba.pdf
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