CRONICAS DE TETE 7
- canhandula
- 4 days ago
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O drama da água potável
Até faria prazer escrever para celebrar uma infraestrutura pública que fosse criada, uma estrada construída, um alcatrão novo pavimentando alguns quilómetros da cidade (não farrapos de reparação). Essa celebração é possível: um parque infantil aqui, outro acolá. Mesmo assim, a cidade sofre de alcatrão colonial cansado, esburacado e cavado ainda mais e deixado sem reposição. Faria prazer cantar a reparação de tubos de água em lugares que criam mau saneamento mas que não são visíveis ao chefe, porque ele não passa por esses sítios recônditos da nossa cidade (de acácias) que tanto amamos. Até ver.
E se for até ver, o que vemos entretanto?
Um drama ao qual o povo estoico de Tete se acostumou: a falta de água nas suas casas. Vemos um drama que um dia se transformará em tragédia sanitária. Dizer que a cólera é uma emergência é procurar drama. Ela é cíclica e previsível, portanto, perfeitamente evitável, cinquenta anos passados. A falta de prevenção é que a transforma em tragédia cíclica.
Como se desembrulha uma família que tem dois filhos em idade escolar, um marido que trabalha nas minas? A família aguenta deixando a questão da água à mulher e mãe, que sofre silenciosamente o percurso de areia quente para ir buscar água.
E porque é que precisa de se desembrulhar? Porque para além da água para beber e para confecionar as refeições, a mãe precisa da água para que os filhos e o marido se lavem antes de sair de casa - todos os dias. De volta, para que a roupa suja de carvão do marido e a roupa igualmente suja das crianças da escola possam ser lavadas ao menos três vezes por semana (!)
Não é que a água falte. É que é preciso marchar com um balde para ir carregar água à cabeça a pelo menos quinze minutos de marcha. Nem sempre água saudável.
Não me lembra na geografia do país, uma cidade servida por dois rios como Tete. Incluindo o segundo maior rio de África.
A cidade de Tete se está expandindo a olho nu. Com um pouco de antecipação, podemos com muito boa aproximação dizer que daqui a mais dez anos a cidade vai crescer 70%. E conhecemos as direcções nas quais a cidade vai crescer, a Estrada da Zâmbia sendo uma das direcções.
Porque não trabalhar e investir em infraestruturas dormentes antes que essa expansão tome proporções incontroláveis: mapeamento e arruamento, parcelamentos e marcos, expansão das artérias de água e electricidade. Não precisa de ter população hoje para ter um ponto de expansão de serviços urbanos básicos: água, electricidade, ruas, , etc. Aliás, esperar que as populações se instalem antes de organizar o espaço territorial dá sempre na desordem que existe e na insalubridade que se normalizou;
Não permite um saneamento apropriado.
Favorece a fuga ao fisco por não existir endereço identificável de cada casa.
Enfraquece os serviços de electricidade, com ligações piratas não cobráveis.
Enquanto pessoas perfeitamente competentes (!) estão sentadas em escritórios municipais aguardando pagamento de taxas para as quais o estado não fez nenhum investimento; pagamento exigido de uma população que vive de forma incómoda porque o tal estado não criou as infraestruturas necessárias:
População que procura água de charcos e de escapamentos tubais;
Impedindo crianças de ir à escola para ajudar a mãe a carretar água;
Bebendo água não saudável que talvez nem se quer podem ferver: a lenha é escassa; o carvão é caro; a electricidade ainda mais cara, onde ela chega; o gás …
Se dependermos do negócio da entrega de água através de camionetas montadas com cisternas, a solução de água é cara. E cada família precisaria de um tanque cuja construção também não está ao alcance. A água, um direito humano vital e antigamente consumida de graça, tornou-se hoje num negócio tão caro como a coca-cola e mais lucrosa ainda.
A colecta de água estagnada para o consumo caseiro é humilhante para a dignidade, perigosa à saúde e penosa de ver, 50 anos volvidos. Como celebrar os 50 nestas condições? Estarei contente em celebrar o meu sucesso sem celebrar o sucesso do meu vizinho? Insensível ao ponto de ser criminoso.
A mim este espectáculo de miséria não deixa indiferente. Nem me deixa indiferente ir comprar comida barata num mercado popular como Cambinde e observar uma jovem passar a cobrar impostos de negócio, num mercado popular onde a sujidade é normalizada, as águas de esgoto são normalizadas e não existem pontos de abastecimento de água.
Até deixei de negociar preço no Cambinde, porque na Shoprite, no VIP, no ChinaMall etc, pago sem resmungar, sem piar mesmo. Porque é que quero fazer barato o produto da mulher que só está a procura de dinheiro para manter o seu filho na escola? Desculpe o
leitor que eu tenha terminado fugindo do tema, mas como se diz em Angola
“Este é um conjunto de problemas que estamos sentados com eles”.

Canhandula
Tete, Setembro de 2025
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