MOCAMBIQUE E ÁFRICA DO SUL UMA RELACAO NAO SATISFATORIA
- canhandula
- 5 days ago
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A. POSTULADO
As histórias destes dois países estão intimamente ligadas primeiro por laços de consanguinidade antiga. E também por uma história longa e complicada que levaria muitos volumes para caracterizar. Para o nosso objectivo analítico hoje, a nossa intenção é muito mais modesta: alertar para a necessidade de quebrar a inércia actual nas relações e construir novas, de forma deliberada, sistemática, profissional e estratégica; enquanto se preservam os laços de boa vizinhança e a política de coesão regional através da SADC.
Uma relação boémia e relaxada em relação à África do Sul é imperdoável porque não confronta as ameaças à nossa soberania nacional, como pretendemos provar mais adiante.
O leitmotiv imediato da nossa reflexão é o fenómeno DUDULA na África do Sul, um movimento criado e financiado para promover a exclusão dos estrangeiros Africanos dos serviços públicos naquele país e da sua expulsão da África do Sul[1]. Este movimento parece espontâneo e genuíno, mas não é. Está estruturado e foi oficialmente registado como organização, e cadastrado. As suas actividades são, portanto, sancionadas, até prova em contrário.
DUDULA é importante para Moçambique porque existem dezenas de milhares de compatriotas naquele país, incluindo sul–africanos de origem Moçambicana (de origem Malawiana, Zimbabweana, Zambiana, Tswana, Sutho, etc), fruto de uma longa história de migração laboral.
Neste artigo evitamos descrever toda a história, da qual ressaltamos alguns aspectos. Incluindo o facto de que a fronteira entre os dois países foi fixada pelo general britânico Mac-Mahon[2], e que inicialmente o porto de Maputo (Delagoa Bay), construído em 1850, assim como a linha férrea derivada que vai até Pretoria (Africa do Sul), foram infraestruturas concebidas para servir a economia sul-africana primeira e exclusivamente.
Entretanto o ponto mais importante de entrada par a as relações económicas entre os dois países foi a criação em 1900 de um sistema de captação e garantia de mão de obra barata - e sem segurança social- para as minas na África do Sul chamado Witwatersrand Native Labour Association (WNLA, WENELA)[3]. Este esquema visava garantir uma mão de obra reciclável e permanente proveniente dos países vizinhos para as minas sul-africanas [4]. Nesse sentido celebrou-se um acordo entre a África do Sul e Portugal tinha como foco toda a zona a Sul do Save. Apoiando-se neste acordo, Portugal passou a ter dinheiro para financiar a ocupação colonial do território Moçambicano[5].
Assim, Portugal, sem meios financeiros para desenvolver actividades nas suas colónias, transformou Moçambique inteiro numa reserva de mão de obra para os empreendimentos coloniais de outras forças europeias nos países vizinhos. Assim,
A Sul do Save, a mão-de-obra destinava-se para as minas na África do Sul, cuja população mineira migrante se concentrava nos famosos townships[6]
A zona Centro de Moçambique era reserva de mão-de-obra para as plantações de café e chá das colónias britânicas da Rodésia (Zimbabwe, Zâmbia), enquanto
A zona Norte constituía reserva de trabalhadores para as plantações alemãs de sisal no Tanganyika.
Foi este esquema que permitiu a Portugal um dinheirinho para reforçar o seu projecto colonial e implantar colonatos.
B. A RELACAO COM A AFRICA DO SUL
Voltemos ao Sul onde se jogou, se joga, e se jogará a relação externa mais importante para Moçambique: a África do Sul. Por uma questão de memória histórica analisamos estas relações que, apesar de serem hoje alimentadas por uma relação económica e política, tem raízes humanas. A grande parte da população moçambicana tem relações de consanguinidade com a etnia Zulu. Foi do desentendimento entre Shaka Zulu e seus generais que estes organizaram a grande migração Ngoni da África do Sul através de vários países, atingindo até a Tanzânia. O Ngoni de Tete é assim o Changana de Maputo e Gaza, é o Matengo (pessoas que vivem entre as arvores - mitengo) do Sul da Tanzânia, é o Chewa que vive no Malawi ou na Zâmbia, o Ndebele do Zimbabwe. E assim por toda a extensão do caminho desta migração (ESwatini, Zimbabwe, Botswana, Zâmbia, Malawi, Moçambique, Tanzânia).
Existe portanto um forte laço de sangue que pode cimentar em Moçambique a unidade nacional e pode regionalmente modificar a postura política dos países, se a mentalidade colonial fosse ultrapassada. Mas esse é tema para outra ocasião.
A relação colonial entre os dois países respondeu às necessidades do capital Sul-Africano em franco desenvolvimento através da extração mineira, uma economia de exportação. Seguiu-se uma luta política e militar em ambos os países para o fim do colonialismo e do apartheid. Pode dizer-se que uma luta reforçou a outra. Conscientes da nossa própria história colonial humilhante, logo após a independência, Moçambique jogou um papel importante de apoio à luta do povo sul-africano. E pagamos caro por isso. Tentamos reduzir a pressão militar e económica da África do Sul através dos Acordos de Nkomati mas ainda assim, sofremos. Inútil nesta altura desenvolver este tema muito bem conhecido das primeiras décadas da nossa independência.
Vale a pena afirmar que naquela altura, a política externa de Moçambique estava inspirada pela experiência da luta de libertação nacional. Tendo sofrido e compreendendo a opressão colonial, Moçambique foi extremamente claro e consistente no seu apoio aos povos oprimidos e colonizados: África do Sul, Namíbia, Zimbabwe, Palestina, Sahara Ocidental. Etc. Clareza essa que o neocolonialismo ameaça hoje em dia. Vários povos continuam a lutar pela sua soberania. Tendemos a esquecê-los no conforto da nossa soberania, ela própria ameaçada.
O que nos traz de volta à gangrena do DUDULA.
Dudula é um movimento tolerado e talvez encorajado por fações do governo sul-africano, dedicado a atacar, amedrontar e empurrar os estrangeiros Africanos da África do Sul: Zimbabweanos, Moçambicanos, Congoleses, Nigerianos, Somali, Etíopes e outros.
Não atacam nem falam de brancos. A situação é tanto mais incongruente que nos parece que o governo encoraja este movimento para camuflar o facto de que 32% da população activa está desempregada. E 46.1%. dos jovens estão desempregados. Esta juventude não possui terra, não possui casa própria, não possui título de propriedade pessoal de tipo nenhum. Esta juventude vive nos subúrbios de que falamos anteriormente. Subúrbios maioritariamente de descendentes de trabalhadores mineiros provenientes dos países vizinhos desde 1902. O que significa que a maioria dos jovens DUDULA até podem ser netos e bisnetos de tais populações migrantes que hoje combatem.
C. UMA LUTA/CAMPANHA ERRADA E VERGONHOSA
Enquanto DUDULA concentra a sua energia negativa sobre africanos pobres a vender frutas e produtos de quiosque, trabalhadores em empregos menores que os próprios nacionais não gostariam de pegar, os verdadeiros ladrões das suas riquezas, De Beers, Openheimmer e Companhia ilimitada continuam a festejar no ouro, no diamante e na banca. Enquanto cidades exclusivamente para brancos se implantam no seu território -Orania – com a complacência oficial.
Mal se dão conta de que Orania, cidade de brancos, é uma semente destinada a germinar e dar origem a uma colónia europeia mais expansiva, nesse clima moderado que o europeu tanto cobiça. Um novo Israel está sendo preparado, a partir do qual surgirá a verdadeira ameaça à soberania dos países vizinhos, Moçambique em primeiro lugar, por ser uma coroa rica na África Austral.
Fala-se hoje abertamente da criação de um estado branco separado numa das Províncias do Cape, e está decorrendo neste momento uma migração acelerada de Israelitas, Ucranianos, e Australianos, promovida pelo partido DA, através dos canais oficiais a que tem acesso, com encorajamento e financiamento Americano. São estes interesses que financiam DUDLA para distrair a atenção nacional através de ataques dramáticos a estrangeiros amplamente mediatizados, afim de que tal recolonização passe despercebida até que seja demasiado tarde. A criação do enclave branco é o verdadeiro papel de DUDULA, que a própria juventude DUDULA ignora. Artimanha antiga: lançar negro contra negro.
Moçambique está na posição privilegiada em relação a todos os países Africanos na influência que pode exercer sobre a política na África do Sul.
Não só a nossa Ministra dos Negócios Estrangeiros já foi Embaixadora Plenipotenciária na África do Sul, onde teria tido acessos e o mandato necessários para defender os Moçambicanos, incluindo a regularização massiva da sua estadia naquele país, como o poderiam ter feito Embaixadores anteriores, para cujo efeito estiveram todos munidos de poderes plenipotenciários. Temos altas figuras nacionais que estiveram e estão integradas na direção de grandes empresas na África do Sul.
D. ESTRATEGIA EXTERNA DE MOCAMBIQUE
Não são as entradas que faltam.
Em vez disso, a realidade que se instalou é a primazia de interesses de alguns Moçambicanos, que entre outros desastres, impedem o investimento nas vias de acesso Norte-Sul em Moçambique, a favor da rota Maputo-Johannesburg, incluindo concessão da gestão da rota a interesses Sul-Africanos[7]. Esses interesses sentados em Maputo concentram-se no açambarcamento do serviço de transporte de produtos alimentares e outros da África do Sul que monopolizam o espaço nos nossos muitos supermercados – Shoprite, VIP, … e a nossa praça comercial.
Por isso também nenhum projecto agrícola financiado repetidas vezes por dinheiro público tem a hipótese de se desenvolver. Para que interesse? Esta é a relação actual entre os dois países: Moçambique um grande supermercado da África do Sul, enquanto fornecemos energia eléctrica, mais barata na África do Sul do que neste país, adonde ela é produzida.
Este não é um fenómeno isolado. Faz parte de uma visão imperialista de um continente rico com uma população pobre, de preferência em franca redução. Um armazém sem população é o que o imperialismo pretende de África. Para o sucesso dessa visão, o Ocidente se empenha em insensibilizar os nossos dirigentes através do enriquecimento pessoal e das suas famílias. Enriquecimento favorecido e encorajado pelas instituições financeiras internacionais.
Está tudo ligado na estratégia imperial da Europa e dos Estados Unidos: a famosa União Europeia e a NATO, as grandes filantropias dos Bill Gates e consortes.
Nesse projeto de colonização, Orania é uma semente.
Vacinação de gado bovino ou massificação da semente geneticamente modificada, que não torna a germinar, fazem parte do projecto de fome e redução de populações, projecto de recolonização.
Vacinas para impedir a fertilidade feminina durante oito anos, oferecida pela Fundação Gates a África, aceite no Gabão e recusada na Namíbia, projecto de recolonização.
Redução da população negra. Alguém convenceu Moçambique que precisamos de reduzir a fertilidade feminina! Até incluímos essa redução na nossa Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE).
Deve chamar a nossa atenção toda uma série de experiências farmacêuticas proibidas no Ocidente e apresentadas como donativo bondoso e desinteressado de um rico afável para a África, e focalizadas sobre a demografia.
Tudo isto se está desenvolvendo ao nosso redor. Incluindo uma guerra, não só mais perto, mas até no nosso corpo, em Cabo Delgado. Estas guerras no nosso Continente tem o intento de dividir os nossos países, estabelecer bases militares estrangeiras[8], que enfraquecerão ainda mais as nossas soberanias. Num futuro que arriscamos ainda de ver, nós os mais antigos.
Dizíamos que Moçambique se encontra em posição privilegiada para influenciar a política nacional na África do Sul, se priorizarmos os interesses nacionais. Impõe-se um exame corajoso e objectivo desta política (na Assembleia da República, não menos).
Estamos convencidos de que será pela África do Sul que o imperialismo entrará para combater a nova ordem mundial multilateral, para manter a hegemonia ocidental e americana, para combater todos os esforços de reclamar a nossa soberania, a soberania nacional sobre os nossos recursos.
Com o advento de uma República do Cape, o nazismo vem mais perto de nós. Então compreenderemos o que significa o sofrimento do povo Palestino.
Este é o papel de DUDULA: enfraquecer e favorecer a divisão da África Austral.
É neste contexto que apelamos para uma política externa mais agressiva, mais analítica e menos cerimonio-protocolar, afim de que ela não só eleve o nosso estandarte nas esferas internacionais, mas ajudem a inteligência e as instituições nacionais de defesa e segurança a recolher informação e prever estes perigos, desenhar estratégias eficazes de proteção da soberania nacional. Proteção essa que começa por um conhecimento profundo da geografia regional, das capacidades militares e de inteligência de todos os países vizinhos, assim como das suas tendências de alianças.
É pelos países vizinhos que surgirá a ameaça à integridade nacional. É pelas ilhas Francesas ao largo da Província de Cabo Delgado que pode surgir o trampolim logístico que favorecerá a ameaça de cessação de Cabo Delgado, dadas as nossas riquezas nacionais, a energia que faz muita falta hoje na Europa. Uma Europa que cortou o seu próprio pé ao impor sanções à Rússia, incluindo a recusa da energia Russa, muito mais próxima e muito mais barata. Essa Europa vai virar-se para a África: Congo, Nigéria, Moçambique.
Sobretudo que ainda por cima o urânio do Níger que garantia o gozo energético da Franca, deixou de ser grátis.
E. A VERDADEIRA REFLEXAO
Quem segue de perto a guerra na Ucrânia, sabe que a Europa (União Europeia, NATO) perdeu esta guerra e esta fortemente endividada. E esbanjou uma grande parte dos 300 bilhões de euros de haveres da Rússia. O fim da guerra não lhes interessa. Na realidade a derrota da Ucrânia vai levar a Europa a ser muito mais agressiva em África. A começar pelos países mais fáceis de desestabilizar para facilitar a extração de recursos, de energia, de minerais.
Onde é mais fácil do que onde já existe conflito? Onde é mais fácil do que onde já existe presença militar estrangeira financiada pela própria União Europeia, onde existem já “instrutores”: e “cooperação militar” tal com Cabo Delgado? Sobretudo que perderam o gás e o petróleo russos, muito mais perto e muito mais barato, por preferirem a guerra. Precisamos de ler de novo a história da Europa para perceber que aquele parceiro é um continente violento, se já nos esquecemos do tempo colonial.
Nós que vencemos o colonialismo vamos deixar Cabo Delgado em mãos de forças militares estrangeiras cujo interesse é de se prolongar o mais que podem em território nacional, nem que para isso tenham que alimentar a insurgência que vieram combater, para continuar a justificar a sua presença!
Cabo Delgado, primeira zona libertada, poderá facilmente tornar-se no “calcanhar de Aquiles” de Moçambique, porta de entrada e de estabelecimento neocolonial, da mesma forma que Orania é o “calcanhar de Aquiles” da África do Sul, e Dudula é o facilitador ignorante, petulante e ébrio de violência.
Que Moçambique se limite ao protocolo externo do prestígio, à política interna de exclusão par a favorecer interesses económicos Sul-Africanos que até nem são Africanos, é um poder de influência perdido. Negócios escuros de indivíduos moçambicanos poderosos paralisam a capacidade nacional de nos posicionar de forma estratégica e soberana em relação ao vizinho mais rico e mais poderoso. Esta fraqueza política pode trazer a perda de soberania nacional a médio prazo.
Moçambique se conforma em permanecer como um grande supermercado para a agro-indústria sul-africana enquanto nos endividamos fazendo de contas que estamos desenvolvendo a agricultura. É um facto. E directamente estamos assim sabotando a produção nacional e a soberania alimentar.
Como nação, temos o direito, e mais do que direito, o dever, de estarmos profundamente preocupados e vexados. E o direito de esperar que, com gás ou sem gás, forças estrangeiras tenham os seus dias contados como se espera de um protocolo do estatuto de forças estrangeiras sobre qualquer território que não lhe pertence.
Temos a temeridade e a singeleza de sugerir que Cabo Delgado seja postulado na Assembleia da República, que DUDULA, seja postulado na Assembleia da República, que Moçambique jogue uma diplomacia mais robusta em defesa não só de Moçambique, mas também da África do Sul e de todos os Africanos que trabalham e vivem na África do Sul.
Que Moçambique alerte a África do Sul que a nossa soberania e a da África do Sul estão intimamente ligadas. E que portanto é necessário ser muito mais agressivo em relação a fenómenos como Orania e DUDULA, projectos de recolonização imperial.
A nossa soberania não é uma questão partidária. Nem deve a nossa política externa ser monopólio de partido nenhum. A qual deve servir os interesses de segurança nacional, sobretudo em relação a todos os países vizinhos.
Canhandula
Tete, Setembro de 2025
[1] Enquanto os pobres membros da DUDULA declaram que o seu objectivo é de expulsar os estrangeiros da África do Sul, este movimento apenas se focaliza sobre estrangeiros Áfricanos. Segundo, e mais importante, é que ele é financiado para mascarar a criação de um enclave branco na África do Sul, para o qual os Africanos contribuem inconscientemente.
[2] Daí a origem da cerveja 2M
[3] https://delagoabayworld.wordpress.com/category/entidades/witwatersrand-nativa-labor-association-ou-wenela/
[4] Swazilândia, Malawi, Zâmbia, Zimbabwe, Botswana, Lesotho, Namíbia, etc
[5] The Night Trains – Moving Mozambican miners to and from South África 1902-1955, by Charles van Onselen https://www.hurstpublishers.com/book/the-night-trains
[6] Soweto, Alexandra, Tembisa, Sharpeville, etc
[7] Gestores da fábrica de Cimento em Maputo afirmam que não se pode reduzir o preço do saco de cimento em Moçambique, apesar de praticar preços baixos na exportação, porque tem que importar o carvão necessário para a produção, e que o carvão de Moatize simplesmente custaria muito caro por causa da falta de vias de acesso de Tete a Maputo. Estrada nacional é portanto o empecilho. Enquanto exportamos o carvão, com muito pouco benefício para a nação.
[8] Forças militares dos países Africanos irmãos são também forças estrangeiras neste contexto.

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