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HAITI IN MY HEART AND MIND

Writer's picture: canhandulacanhandula

Em forma de continuação dos meus artigos anteriores sobre este país[1], é importante que eu escreva novamente, para minha satisfação na minha posição de reformado impotente, mas também como uma mensagem para todos os leitores.  E a mensagem é: nós, africanos, onde quer que estejamos no globo, estamos em constante guerra de afirmação.  Embora a humanidade tenha começado em África, a mentalidade global dificilmente aceita que sejamos a origem da humanidade, da civilização e do conhecimento[2]


Sabemos por exemplo que o antigo Imperio do Mali enviou expedições marítimas para as Américas no seculo 13, bem antes de Cristóvão Colombo.  E milhares de exemplos mais suprimidos da narrativa histórica, por um colonialismo que queria reclamar para si o título de descobridor.


A história do Haiti[3] é um drama humano, um sofrimento africano que é importante compreender.


A fuga permanente dos jovens de Haiti para os Estados Unidos deve ser compreendida por todos os africanos.  Por que é que eles estão fugindo do seu país?  Porque depois de séculos de escravatura, o povo africano ousou e derrotou uma ordem colonial, um poderoso exército de 30.000 soldados franceses, para se tornar o primeiro país negro independente.  O Haiti tornou-se assim o trauma mais profundo e permanente para o homem branco.  Do outro lado de uma América onde a escravidão era a coluna vertebral da economia estadunidense.  Existe assim uma vingança permanente contra a “ousadia” dos escravos.


E como é que o homem branco gere esse trauma?

  • Primeiro, tentando trazer de volta a escravidão.  Tentativa falhada.

  • Em segundo lugar, fazendo com que os negros paguem pela ousadia de se reafirmarem livres, e eles estão pagando até hoje.  E pagaram-no com dinheiro, com graves consequências na capacidade de desenvolvimento do país.  O Haiti levou mais de cem anos a pagar uma dívida colonial à França.

  • Em terceiro lugar, manipulando a sua constituição para transformar o país num armazém de recursos para os EUA.

  • Sob o pretexto de conter a violência, na realidade se asseguram da perpetuação dessa mesma violência, fornecendo armas e garantindo a instabilidade institucional através da intromissão em todas as eleições presidenciais. 

  • Ao cooptar outros países ocidentais para manter interferência política sobre o Haiti através do que é cinicamente chamado de Grupo Consultivo de Doadores,  “os suspeitos de sempre”.


Hoje venho em particular mencionar uma batalha que certamente não consta dos manuais escolares de história do ensino francês:  Diga-se de passagem, que muitas vezes, história é mais interpretação e filtragem destinadas a sanear a interpretação de atos coloniais repreensíveis que um povo inflige noutro, mas que nunca aceitaria que lhe fosse aplicada a si.  Saneamento histórico, lembrança selectiva, miopia social.


A BATALHA DE VERTIERES de 18 de Novembro de 1803 é a origem da independência de Haiti.  O general Haitiano Dessalines venceu o exército de Bonaparte, ponta final de uma rebelião que iniciou com uma primeira batalha em 1791, até a abolição da escravatura.

Bonaparte escreveu na altura em que enviava o seu exército:

decidimos destruir a autoridade negra de Haiti, não por razoes de comércio ou outras, mas pela necessidade de bloquear para sempre a marcha do negro para a emancipação.  

Por outras palavras, abertamente ele afirmava que precisava de impor o regresso da escravatura porque essa é a condição da raça negra.  Por essa razão, os 30.000 soldados franceses foram primeiro comandados por um cunhado seu.  Uma vez derrotado, este exército foi ordenado a sair do território no prazo de dez dias.


A independência de Haiti em 1804 transformou-o em primeira república de escravos negros livres a nível mundial.  Ao escorraçar um exército europeu (15.000 dos 30.000 morreram em batalha), Haiti passou a constituir um exemplo indesejável face ao trabalho esclavagista nos estados do sul dos Estados Unidos, tão pertinho.  Uma verdadeira destruição do mito de superioridade racial.  Um exemplo que ameaçava destruir o edifício económico americano.


Por isso, desde então até hoje, entre invasões, ocupações, imposição de constituição elaborada em Washington, os Estados Unidos levam a cabo uma campanha incessante de submissão de um povo negro, africano que ousou ser independente.


Para continuar a impor a sua superioridade, está neste momento a usar outro povo Africano, o Quénia, que é apenas a mais recente versão de um Africano contra outro Africano.  Não vai ser a última vez, porque temos muito Africano que desejaria ser comparado com o branco.  E isso, o Americano e o Europeu compreenderam há muito tempo.


A ladainha do drama do povo Haitiano esconde-se por detrás do que os meios de comunicação que dominam o mundo nos querem fazer crer, e adoptar como linguagem: que o problema de Haiti são os grupos armados que semeiam o terror na ilha e criaram espaços exclusivos de venda de droga e outras histórias.  Tudo isso é mentira “para adormecer o boi”.  Existe a droga, existe a divisão territorial de Port au Prince entre grupos armados. Mas esse não é o problema.  Como existe o terrorismo, como existe a guerra em Cabo Delgado, mas fazer-nos crer que se trata de terrorismo é uma maneira de promover o terrorismo como motivo para uma certa categoria de peritos que acabam por fazer deste terrorismo uma profissão e negócio.  Os tais mercenários, declarados ou sob cobertura de um estado dentro de outro estado.


Na gestão do “terrorismo” em Cabo Delgado por exemplo, internamente é a polícia a ponta de lança, mas externamente, são exércitos que nos vem ajudar.  Admitir esta dicotomia na gestão da segurança levanta uma pergunta importante: Não existe aqui um traço comum, a desinformação, que leva a decisões confusas politicamente agradáveis a parceiros exteriores, mas que internamente tem um efeito negativo na estratégia de guerra? A mesma estratégia que se impõe a Haiti.


A propaganda que nos faz crer que o problema de Haiti são os gangs

  • Omite o facto de que a inundação do mercado de armas de calibre militar é originária dos Estados Unidos. 

  • Omite falar dos desastres da segurança alimentar provocados pela família Clinton[4]

  • Omite falar dos interesses da família Clinton e dos EUA nos recursos naturais de Haiti.

  • Omite falar das manobras para a deposição, por duas vezes, de Aristides Pereira.

  • Enfim, omite dizer que os Estados Unidos tem estado a interferir em todas as eleições presidenciais daquele país.

  • E que a divida colonial que não devia ter sido paga permanece uma questão não resolvida que querem fazer o povo haitiano esquecer.


O comportamento do Quénia deve ser qualificado e despido das suas roupas.  Não se trata do povo Queniano, cujo poder judicial repudiou o envolvimento nacional na opressão do povo irmão de Haiti.  Trata-se do presidente Ruto que deu um salto por cima da lei e contra a voz do seu povo.  Depois de ter sido bajulado com a oferta de se sentar por meros dois minutos da sua vida, na cadeira presidencial dos Estados Unidos, passou a ser o lambe-botas, pronto a sacrificar o seu irmão para agradar o imperialista neocolonial.  Enfim, o Quénia permitiu a expansão da presença militar dos EUA no seu território com a instalação de uma base militar na Região do Wajir, para combater um terrorismo na Somália que dura já mais de quatro décadas.  Guerra que nunca acaba, guerra que justifica guerra.


Muita confusão, não só para o povo Haitiano, mas para todos nós.  Afinal de contas, os traidores do povo não estão só no Quénia.  É só seguir a história dos três países que, na Africa Ocidental, se engajaram na resistência e no repúdio  dos restos do colonialismo francês: Burkina, Mali e Níger.  E como o colono está a contornar a intimação de retirar as suas forças militares para o seu país: ao contrário, estabelece-se nos países vizinhos: Cote d’Ivoire, Benin, Gana.  Irmão, traidor do irmão.


Quando olho para Moçambique e me concentro em Cabo Delgado, não posso resistir ao estabelecimento de semelhanças com esta situação.  Estou a vislumbrar os mesmos actores da secessão do Biafra: com apoio do Gabão, pequeno país, Elf-Aquitaine (hoje TotalEnergies) alimentou uma guerra que só um exército forte, disciplinado, equipado e comandado com clareza conseguiu vencer.   Os actores decisivos da guerra do Biafra ainda existem e podem ser consultados: General Theophilus Danjuma, General Olusegun Obasanjo.


Haiti no meu coração.  Povo irmão africano a quem foi recusado o direito de participar na União Africana. A mesma organização que suspendeu a participação de quatro países Africanos, um porque está em guerra, o Sudão. Entretanto todas as forças neocoloniais têm um estatuto privilegiado de observador na mesma UA: Estados Unidos, União Europeia, França, etc.  Porquê?  Porque eles financiam a União Africana.  Entretanto eles estão também em guerra muito mais mortal e muito mais destruidora na Ucrânia!

 

Mensagem central


L’Afrique noire reste encore mal partie[5].  É uma juventude educada, iluminada e consciente que vai mudar a situação em África.  Com ou sem sangue, esta é a opção da responsabilidade dos líderes de hoje.  Como Steve Biko disse: a arma mais potente nas mãos do opressor é a mentalidade do oprimido.

 

Canhandula

Tete, 19 de Setembro de 2024


[2] Até mesmo Cheikh Anta Diop levou vários anos para que sua tese fosse admitida e aceita como tese de doutoramento na França.

 



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