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PARA UMA ESTRATEGIA ENERGETICA DE MOCAMBIQUE

Writer's picture: canhandulacanhandula

Devidamente mobilizado e enquadrado, o povo é uma capacidade que se pode utilizar

 

A.         Introdução

A leitura de um artigo recente sobre Moçambique constrange-me, como Moçambicano, a reagir.  O meu argumento vai no sentido de as nossas instituições de soberania fazerem muito mais para garantir que os interesses do país sejam preservados em todas as transações internacionais cujos inventários contam com os nossos recursos, mas que nunca se interessam com o nosso desenvolvimento humano. 


Para reforçar o argumento, passo em primeiro lugar a reproduzir na íntegra um artigo  da Deloitte Energy Outlook.  Em seguida, apresento uma reflexão, na esperança de que, de uma forma ou de outra, estes argumentos cheguem a quem de dever e de direito. Ao partilhar esta reflexão que acho pertinente, desejo transmitir uma mensagem: a necessidade de reação imediata quando o capital internacional estiver a discutir recursos estratégicos de Moçambique, procurando espaço para que deixemos de ser vítimas passivas da exploração, para passarmos a participar na mesa: uma vez que os recursos nos seus inventários são nossos, não podemos nos dar ao luxo de permanecermos incólumes enquanto forasteiros vem festejar do nosso solo, subsolo, mar e ar.

 

B.         O Artigo

Deloitte Energy Outlook: Moçambique pode valer 20% da produção energética de África até 2040[1]


A consultora Deloitte considera que Moçambique será o futuro hub energético da África Austral, considerando que as vastas reservas de gás podem fazer com o que o País seja um dos dez maiores produtores mundiais, responsável por 20% da produção de África até 2040. Os analistas referem que todo o sector está em expansão, abrangendo uma gama diversificada de energias renováveis, tais como a biomassa, hídrica, solar e eólica.


No relatório África Energy Outlook 2024, Mozambique Special Report, a Deloitte faz uma análise profunda do sector, apontando as tendências que irão moldar o mix energético do País durante a próxima década e recomendando algumas medidas para que Moçambique se posicione como hub energético da África Austral com a capacidade de gerar 187 GW de energia a partir do carvão, gás, hídrica, solar, eólica e outras fontes renováveis.


O documento também conclui que o País ainda é um bom exemplo do paradoxo energético de África, destacando que, apesar dos vastos recursos, ainda prevalece a pobreza e o défice de acesso à energia (num território com 32 milhões de habitantes, dos quais 62% vivem em áreas rurais, apenas 44% têm acesso à electricidade). Apresentamos, seguidamente, os principais desafios e oportunidades para os próximos cinco a dez anos, nas áreas dos combustíveis fósseis e das energias renováveis.


Combustíveis fósseis: uma das maiores reservas de gás e carvão

Petróleo: Moçambique não produz petróleo, embora seja produtor de gás condensado para exportação através do projecto Pande-Temane. Também os projectos de gás liquefeito em curso na bacia do Rovuma ajudarão a reduzir a elevada dependência da importação de petróleo. Adicionalmente, o Governo tem vindo a promover a produção e a utilização dos biocombustíveis, assim como o uso crescente de veículos movidos a gás.

 

Carvão: Moçambique tem uma das maiores reservas de carvão do mundo. Só a mina de Moatize tem reservas provadas de 1,9 mil milhões de toneladas. O plano do Governo passa por aumentar a capacidade instalada para 1,7 GW (gigawatts) até 2042, assegurando uma produção anual de electricidade de 2 TWH (terawatts/hora). Apesar de, globalmente, esta fonte de energia estar a ser abandonada, o carvão pode continuar a ter um papel decisivo ao nível das exportações e do fornecimento de indústrias domésticas, como o ferro e o aço.


Gás natural: Moçambique tem as maiores reservas da África Subsaariana de gás natural estimadas em 180 tcf (biliões de pés cúbicos). Com projectos como o PSA, Coral Sul e Norte (FLNG) e Mozambique LNG, a produção pode duplicar até 2030, tornando o País no terceiro maior produtor regional. Adicionalmente o gás natural emite 50% menos carbono do que o petróleo e o carvão, sendo, por isso, cada vez mais procurado no mercado global. A consultora estima que o gás pode gerar 100 mil milhões de receitas para aquele território.

 

Energias renováveis: um dos maiores potenciais hídricos de África

Hídrica: o potencial hidroeléctrico de Moçambique, estimado em 12 500 MW, é dos maiores de África. Com grandes investimentos em curso na província de Tete, tais como o projecto Mphanda Nkuwa (2000 MW) e Cahora Bassa Norte (850 MV, a juntar aos actuais 2000 MW), prevê-se que a capacidade instalada possa atingir os 4539 MW em 2030 e que Moçambique desempenhe um papel central no abastecimento de electricidade aos países vizinhos.

 

Solar e eólica: prevê-se que este segmento represente 20% do mix energético do País até 2040, que a capacidade instalada de energia solar seja de 266 MW e a eólica de 40 MW até 2030. Na energia solar, a juntar às centrais de Mocuba (Zambézia) e de Meteoro (Cabo Delgado) prevê-se a construção de Cuamba II (Niassa) com 20 MW. Na eólica, os novos projectos em Inhambane e Namaacha poderão gerar uma capacidade adicional de 170 MW.

Biomassa e outras: sendo Moçambique um dos dez maiores produtores mundiais de carvão, o País tem um grande potencial de produção de biomassa estimado em 2 GW. Em paralelo, prevê-se que os resíduos da atividade florestal possam gerar 750 GWh de energia. Recorde-se que 95% da população moçambicana ainda utiliza a biomassa, madeira e carvão como principal fonte de energia para consumo doméstico. Acrescente-se que Moçambique também está entre os três maiores produtores mundiais de grafite, um material cada vez mais utilizado nas tecnologias associadas às energias renováveis.

 

Fonte: Deloitte (Africa Energy Outlook 2024, Mozambique Special Report)

Texto: Diário Económico

 

C.          Considerações

Este artigo apresenta oportunidades de reflexão para as nossas autoridades, para as nossas instituições, para os nossos atores e agentes económicos e para os políticos.  Em detalhe:


  • O CARVÃO[2]: não basta que se deixe explorar o carvão de Tete.  É preciso que haja, não só da parte dos investidores e atores económicos, mas também do estado Moçambicano, formulação de uma estratégia a médio e longo prazo.  As reservas de que este artigo trata ainda não estão sendo plenamente exploradas, mas já viemos ressentindo as consequências mormente negativas desta exploração ao nível local, pese embora as grandes receitas que são recebidas algures. A precipitação ocidental para as fontes de energia de África significa que daqui a alguns anos haverá uma expansão necessária da exploração em Tete, com uma expansão simultânea dos efeitos nefastos desta indústria: a poeira do carvão que tem um impacto não negligenciável na saúde das populações a Oeste dos jazigos, em particular nas cidades de Moatize e Tete.


Essa expansão da exploração mineira vai exigir um ajustamento das infraestruturas publicas.  A estrada de Moatize para o Norte já está sendo estrangulada pela montanha de terra escavada para a exploração mineira.  A extração mineira já estrangulou o riacho de Moatize.  As explosões autorizadas de Moatize e de Benga, que contribuem sobremaneira para a poluição sonora e do ar, e tem impacto na saúde ambiental e as vibrações nas habitação do cidadão pacato.  Silêncio cúmplice por parte de uns, silêncio impotente por parte de outros.


Em resumo, a proteção das populações contra a poluição sonora e eólica, e das suas casas contra as vibrações das explosões diárias não existe, como não é evidente existir um plano a médio e longo prazo.  Ou a população afetada não conhece o mesmo.  Na ausência de uma tradição de comunicação entre o dirigente e o dirigido, o contrato social está abalado.


  • O GÁS DE CABO DELGADO: Em entrevista concedida por Patrick Pouyanne em Londres no dia 07 de Fevereiro, ele falou da iminência da reativação da exploração do gás, em particular o papel de estabilização da segurança por parte do Rwanda, e da reativação das discussões com os financiadores, depois da declaração de força maior que forçou a suspensão dos trabalhos.


Num artigo anterior[3], já fazia duas teses[4] em relação ao gás de Cabo Delgado, que considero ainda válidas.  Esta entrevista de Pouyane, assim como este artigo, chamam a atenção para a intensidade e urgência dos interesses estrangeiros sobre os recursos de Moçambique, e de certa forma, demonstram o fraco nível de envolvimento do próprio Moçambique nas grandes decisões sobre os recursos que a natureza e a geografia lhe oferecem.  Ninguém põe tanto dinheiro na mesa e que não esteja disposto a ir até aos extremos para fazer prevalecer os seus interesses em Moçambique, contra tudo e contra todos, sobretudo agora que compreenderam que estão a perder a guerra contra a Rússia, para a qual estavam prontos a sacrificar uma Ucrânia agora exangue!


Em relação a estes recursos, em particular ao gás, mas também a todas as outras riquezas nacionais, podemos adotar três atitudes:

  1. OU nos sentamos sobre estes recursos e esperamos que venha alguém mais iluminado e com o dinheiro necessário para nos desalojar e deslocar para outro sítio (dentro do território), e lhe permitir escavar e evacuar,

  2. OU continuamos como estamos fazendo: aqueles que têm acesso à informação e aos corredores do poder, se associam ao capital estrangeiro criando pequenas empresas inconsequentes no contexto de um esquema eufemisticamente chamado PPP, afim de gozarem financeiramente dos serviços conexos a estas explorações.  E a nação?  Isso vê-se mais logo!

  3. OU passamos a participar de forma contundente e propositada na direção que se dá às nossas riquezas, de forma que todos os nossos parceiros se apercebam de que não podem falar de riquezas de Moçambique na ausência de um representante Moçambicano, sem consequências.


Para nós, a discussão com os financiadores não deve ser monopólio dos empreendedores tais como TotalEnergies e outros, porque esta é uma oportunidade para Moçambique se impor na mesa, e não deixar que Moçambique seja a refeição que se serve na mesa.  A declaração de força maior abriu uma brecha para os interesses estrangeiros voltarem à mesa das negociações com novos argumentos, baseados nas demoras e na insegurança que forçaram todos os investimentos a serem mais caros, e que, por via de consequência, o período de recuperação dos investimentos passará a ser mais longo.  Reduzindo desta forma as taxas e os benefícios devidos à nação Moçambicana (leia-se ao povo Moçambicano sem acesso à energia, à água potável, à saúde e a uma educação condignas).  Isso já se sabe e podemos nos antecipar.


Queremos argumentar assim que Moçambique se faça impor nas renegociações com os financiadores!  As alterações aos termos de financiamento do gás são perfeitamente aceitáveis por causa da força maior invocável contratualmente.  Contudo, o que não deve ser aceite é que continuemos ausentes só porque o financiamento vai diretamente para a TotalEnergies e outras empresas estrangeiras.  Porque ao deferir as datas de maturação de certas clausulas dos contratos de exploração, na realidade vai-se tratar de transferir o peso dos financiamentos e o peso dos atrasos ao povo (incluindo silenciosamente compensações por contratos interrompidos, material em armazém por período prolongado, deterioração de stocks à espera de utilização, e tudo o mais).  Não pagamos com dinheiro, mas com o prolongamento da pobreza, das míseras condições escolares, hospitalares, das estradas, dos serviços, e aí por diante.


Que o financiamento vá diretamente do grande financiador a grande empresa estrangeira é natural, mas que nos estejamos lá onde as negociações têm lugar, para conhecermos amiúde os detalhes destes financiamentos que se jogam em território nosso.  O que nos porá em posição de força quando por sua vez as empresas vierem pedir a renegociação dos termos de exploração e adiamento de certas datas contratuais, afim de fazermos prevalecer uma primeira vez a voz do pobre.


  • ACESSO À ELETRICIDADE: a Deloitte, como todas as instituições estrangeiras que querem obter as graças das autoridades políticas do estado vigente, apresentam estatísticas muito otimistas do bem-estar de uma população moçambicana na miséria e no subdesenvolvimento.  Assim, dizer que 44% da população nacional tem acesso à eletricidade é um cinismo intelectual que contradiz o facto de que 62% dessa população é rural: o acesso à eletricidade em meio rural é de 4.5% e em meio urbano de 75%.  Por extrapolação e na realidade, o acesso à eletricidade em Moçambique é de apenas 31.3%.  E mesmo assim, parar aí seria contar metade da história.  O custo do kilowat de eletricidade em Moçambique é mais alto do que na Africa do Sul, país que também beneficia da nossa eletricidade.  São todos estes elementos qualificativos que nos torna sóbrios e não apreciamos a bajulação e o insulto intelectual de instituições estrangeiras cuja fortuna, carreira e renome se faz no escamoteamento da verdade que só o povo Moçambicano vive na pele.


É mais do que chagado o tempo de nos convencermos que ninguém nos vai ajudar a sair desta miséria circular se não formos nós próprios a sermos mais aguerridos nas negociações, mais analíticos e mais inclusivos e menos partidários nas decisões.  De outra maneira, parecemo-nos mais com uma pessoa que sabe que está sentada num monte cheio de ouro, mas nem uma enxada tem, acorda e dorme sobre ela, nem tem uma ideia onde cavar exatamente. E está à espera de um Chico esperto que não só vem ajudar na segurança do país, mas também vem ajudar a acarretar riquezas para fora do país, enquanto nós vamos minimizando o sofrimento de milhares dos nossos compatriotas deslocados de guerra.  E as nossas capacidades?  Um país de 799,300Km2, com uma tradição de luta armada e uma população de 33 milhões confia a segurança de parte do seu território a um outro de 27.000Km2 e uma população de 14 milhões?  E não vemos nada de errado nesta equação? Unidade, Trabalho e Vigilância!

Jose,

Tete, Marco de 2024




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